Faz anos que não tenho sonhos – até dormindo são eventuais. Minha natureza sempre me manteve com os pés no chão – devaneios me são raros.
O que tenho são memórias. Eu lembro. Todas as noites, ao acordar, em alguns fins de tarde: as imagens desfilam no pensamento e revivo trechos da vida em que fui feliz e aqueles em que um abismo se abriu. Repasso na mente as alegrias e dores. As culpas – não tenho muitas, mas as que me habitam são gigantes.
A antropóloga francesa Nastassja Marti, que sobreviveu a um ataque de urso e descreveu a experiência em “Croire Aux Fauves” – traduzido no Brasil para “Escute as Feras” -, pontuou:
“Alguns acontecimentos devem ser transformados para se tornarem aceitáveis, para fazerem sentido.”
Ela também discorre sobre a baixa guarda que mantemos quando nos sentimos seguros – numa circunstância, num local, ou até quando nos achamos protegidos por alguém, quando acreditamos que outra pessoa sabe o que é melhor para aquele momento -, e como isso exige atenção constante.
Porque não se pode confiar plenamente em nada nem ninguém. Esse é um ensinamento que meu pai me deixou e normalmente estou atenta. Mas às vezes também baixo a guarda e abdico de tomar a decisão ou concordo com algo que jamais faria – e isso na maioria das vezes se mostrou um pesadelo.
Porque ninguém sabe quanto um acontecimento, por menor que seja, pode nos afetar, quanta tristeza pode causar, que gatilhos pode acionar.
Por sua experiência, Nastassja escreveu: “Um urso e uma mulher são algo grande demais como acontecimento.”
A metáfora da frase me leva ao pensamento de que cada um de nós enfrenta “ursos”diferentes.
Há “ursos” que demandam respostas rápidas, mas é pertinente prestar atenção às decisões definitivas e dar a elas o benefício da dúvida e do tempo. O peso das consequências imediatas ou de longo prazo, vai andar ao nosso encalço – feito um urso enfurecido.
E nem sempre vamos conseguir escapar.
- UM ANO SEM LUNA - 15/05/2024
- A “ONDA” DA COMUNICAÇÃO INTUITIVA - 01/05/2024
- Maya – 14 anos - 18/04/2024
Deixe um recado