“Dormia a nossa pátria mãe tão distraída,
sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”
(Chico Buarque)
Quando nasci, em 67, o Brasil vivia seu período de segunda Ditadura – imposto em 64 (lembrando que a primeira ocorreu de 1937 a 1945, o Estado Novo); e eu estava às margens dos dezoito anos quando o País chorava por sua hoje tão jovem Democracia por conta da rejeição às Diretas Já.
Portanto, jamais pensei viver para ver, na literalidade, um Golpe de Estado além dos livros de História. Nunca imaginei testemunhar em meu País – e, em tempos de tecnologia, ao vivo – um Presidente eleito democraticamente – mesmo que eu não gostasse dele – sendo deposto sem ter cometido crime – e, pior, por dezenas de parlamentares acusados de corrupção e crimes semelhantes aos que imputam à Presidente em exercício.
O que me define nesse momento é um tipo de tristeza meio sem nome, aquela da Pátria violentada. É a terrível impotência de nada poder fazer ao ver uma parte da sociedade sem saber o que isso tudo efetivamente significa – gente que parece não entender, por exemplo, o que é a realidade da liberdade cerceada, mesmo assistindo 73 – setenta e três! – mulheres sendo levadas a uma sala reservada da Polícia Federal de um aeroporto por terem “faltado com a educação” com dois deputados durante o voo; mesmo vendo imagens da truculência militar contra estudantes – e outras tantas que assinalam o perigo contra as liberdades individuais.
Nas redes sociais, leio pessoas que pensam que inibir esses comportamentos faz parte da preservação da ordem. Não sei, mas esse argumento me parece ser da mesma gente que protagonizou aquela cena grotesca de desrespeito à Presidente nos estádios durante a Copa (e, como sabemos, mesmo sendo uma das piores manifestações que já vi, pôde se manisfestar livremente).
E aqui abro um adendo para lembrar que é preciso muito cuidado quando defendemos algo que fere a Democracia só porque nos beneficia ou vai de encontro aos nossos interesses momentâneos, pois isso pode virar-se também contra nós. Hoje aplaudimos porque é com o outro, amanhã…
Vemos uma sociedade dividida por valores invertidos, alegando querer tirar um partido específico do poder – que dizem ser o mais corrupto da História nacional (?!) -, valendo-se de manhas e artimanhas (palavras da Presidente Dilma Rousseff com as quais compactuo) para encobrir o obvio, que o escritor Fernando Veríssimo definiu tão bem:
“Foi o fim da ilusão que qualquer governo com pretensões sociais poderia conviver, em qualquer lugar do mundo, com os donos do dinheiro e uma plutocracia conservadora, sem que cedo ou tarde houvesse um conflito, e uma tentativa de aniquilamento da discrepância. Um governo para os pobres, mais do que um incômodo político para o conservadorismo dominante, era um mau exemplo, uma ameaça inadmissível para a fortaleza do poder real. Era preciso acabar com a ameaça e jogar sal em cima”.
Bem isso. Muita gente fala em igualdade social, mas sabemos que entre o discurso e o ato vai uma longa distância. A elite que bate panelas nas varandas gourmets, não se conforma com os aeroportos cheios da classe emergente, com babás chegando às Faculdades e domésticas semi-analfabetas formando seus filhos – uma geração inteira com oportunidades que antes eram relegadas a sonho impossível. Incomoda, deve incomodar muito.
Esbravejam contra os R$ 77,00 (!?) do Bolsa Família, sem entender que isso pode ser a diferença entre uma refeição por dia e passar fome, e reclamam dos projetos sociais e moradias como se não fossem um direito a todo cidadão.
Mas, de fato, não surpreende ninguém que setores de nossa sociedade se ergam contra tais políticas através do bordão “contra a corrupção”.
Mas há coisas ainda mais díspares, como um beneficiado do Programa Minha Casa, Minha Vida, que reclama do Governo que lhe deu essa condição. É preciso, portanto, erradicar também o analfabetismo político, explicar de forma mais ampla o funcionamento do sistema como um todo.
Mais terrível é a constatação de que vivemos situações semelhantes àquelas que muitas vezes questionamos – como as do Holocausto, por exemplo, que continua sempre provocando a indagação de como parte da Alemanha não tinha nenhuma noção do que acontecia. Como se vê, na prática, não é tão impossível quanto se imagina: muita gente hoje em dia parece não dar cabo do que acontece no Brasil efetivamente – além do que mostra a imprensa, que só estampa o que mais lhe convém.
São tempos duros – e que prometem ainda mais dureza.
De minha parte, sem reconhecer como legítimo um Governo que se forma com o Golpe e sem validação das urnas, sinto-me impelida a torcer pelo meu País e esperar pelo melhor. Esperar por uma sociedade que continue lutando pacificamente pelo que acredita, e que esse comando transitório não cale a voz de nenhum cidadão brasileiro.
Que todos, a favor da Democracia – sempre e acima de tudo -, eu, do direito a ter meu voto respeitado – sim, eu votei na Presidente Dilma -, e você, que anseia por um Governo novo achando que ele pode fazer melhor, possamos continuar nos manifestando e, quem sabe, até dialogar sobre as diferenças.
Porque, afinal, não importa o lado que estamos se quisermos as mesmas coisas: um País melhor, mais justo, com maior igualdade social e sem corrupção.
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