HIPERBREVES

SIM

Imagem: Sleeping Beauty, escultura de Louis Sussman-Hellborn

Imagem: Sleeping Beauty, escultura de Louis Sussman-Hellborn

Entredentes, diz assim, a voz desprovida de ritmo, que sim, sim, por que não seria sim? Por que não? Talvez porque o sim saia dela assim, entredentes, a voz embrutecida pelo ritmo afirmativo ecoando externamente, enquanto o não está aos berros dentro dela. É tradição, repete a si. É servidão, revela a si. É cultural, entoa o mantra. É escravidão, engole em seco. Sim, ela diz. E sorri o sorriso dos que não têm escolha, imaginando como será sua vida neste aceite. Enquanto outros definem seu caminho, seu espírito, esse desavergonhado, abraça a liberdade, viaja para longe. Ela sorri copiado. Atuação de aprazimento. Alguém a escolheu, que ela atende a todas as demandas, menos aos seus desejos. Por fora, ela é apenas mais uma a se curvar à tradição, à crença, à cultura na qual nem mesmo acredita. Por dentro, nunca saberão, ela vive livre, como jamais viverá nessa realidade que a torna moeda de troca. Que a torna servil aos desejos que não os dela. Não os dela.

Carla Dias
Últimos posts por Carla Dias (exibir todos)

Carla Dias

Carla Dias

Autora de "Estopim", "As Asas da Borboleta", "Jardim de Agnes", "Os Estranhos" e "Azul", além de participação com contos e crônicas em mais quatro coletâneas - entre elas, "Acaba Não, Mundo", do site "Crônica do Dia", onde ainda escreve às quartas-feiras. Trabalha como Produtora de Eventos junto à baterista Vera Figueiredo [IBVF Produções]. Vive em São Paulo.