Desejo que a morte, no momento em que ela me chegar, me tome viva. Que surpreenda a minha vida e interrompa os meus projetos de futuro.
Quero envelhecer planejando e viver colocando em prática meus planos mirabolantes. Não há a morte de chegar e encontrar em mim os sonhos mortos, o corpo apático, os planos engavetados e o sorriso escondido, os olhos sem brilho.
Ela há de interromper muitas coisas que estarão me satisfazendo. Há de calar a paixão por algo, o amor por alguém, de interromper o texto que escrevo, de deixar delícias na geladeira, o fogo aceso, a música ligada… Há de me levar no meio de um livro ou de uma história.
Quero morrer vivendo, isso sim. Tirar a vida é a única incumbência da morte e não serei eu a tirar dela esse prazer. Viverei até que ela me leve.
Não morrerei antes disso. Minha vida será repleta de exclamações, interrogações, vírgulas, travessões, e muitas reticências… Sim, farei pausas… para sentir antes de tudo. Para me permitir a surpresa do desconhecido ou o reconhecimento daquilo que conheço bem. Minhas reminiscências hão de me permitir um novo caminho a partir de velhas verdades.
Há a morte de me pegar recém-nascida em um novo significante ainda que ele não tenha tempo de fazer andar minha cadeia dando um novo sentido às minhas questões mais íntimas.
Sim, hei de morrer em minha intimidade e cercada dos afetos que me são caros e coabitam em meu corpo e minha alma…
Desejo que a morte me pegue de “calças curtas”, comuns às crianças de minha época. Que eu morra criança, com esperanças, com propósitos e perspectivas no auge de minha velhice.
Que a morte me surpreenda em uma tarde de Sol onde, independente e autônoma, eu tenha saído para comprar chocolates. Que minha morte possa ser o único momento em minha vida que serei privada de viver.
QUE A MORTE NOS APANHE VIVOS!
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