COMPORTAMENTO

AS ELEIÇÕES NO DIVÃ

Eu não vim aqui dizer em quem você deve votar. Vim aqui dizer o que penso sobre como você deve votar.

Sou psicóloga e psicanalista e na semana posterior ao primeiro turno das eleições fui acometida de tremendo mal estar – que me abateu, ensurdeceu e calou diante do sofrimento e da miséria humana.

Recebi em meu consultório o ódio e o medo de forma desmedidas. Digo desmedidas pois, dentro de uma sociedade, de uma civilização, é preciso ter medidas. O pensamento individual, o desejo individual não deve prevalecer sobre as normas do coletivo.

Isso cabe aos dois lados polarizados dessa eleição. Em minha opinião, um ou outro candidato não tem o direito de colocar-se pessoalmente na medida em que concorrem a uma posição de estadista. Nem cabem seus anseios, nem suas ambições.

Todos nós seres humanos carregamos impulsos com os quais nos vemos a prestar contas todos os dias e isso é tarefa das mais difíceis. Todos nós odiamos, sentimos raiva, desejamos coisas boas e ruins, almejamos sucesso – seja social, financeiro, familiar; não gostamos de não pertencer e lutamos por sê-lo todos os dias; invejamos o outro, temos raiva daqueles que se dão o direito de ser ou ter o que não podemos, e temos também amor e ternura, admiração, esperança, respeito e fé. Somos dois lobos dentro de um mesmo ser. Isso é ser humano.

Dessa forma, todos nós somos barrados nesses impulsos para que possamos sobreviver e ter na sociedade o que necessitamos: amor, reconhecimento e um lugar de pertencimento para que possamos nos sentir seguros e motivados.

Nem um e nem outro candidato neste momento nos deixa seguros… Ocorre ódio, ocorre medo… Nenhum deles nos reconhece antes de reconhecer a si mesmo. Nenhum representa o coletivo, sem considerar minorias ou maiorias – por que não somos este ou aquele grupo, aquela raça, aquele gênero ou aquela escolha que fizemos, Somos seres humanos brasileiros.

Estamos cansados de violência, desrespeito, fome. Clamamos por saúde, educação, respeito e desenvolvimento, mas não podemos mais depender de uma pessoa para isso. Nosso país somos nós. Todos nós.

Cabe a nós não sermos violentos. Cabe a nós não aceitarmos a violência. Não é com mais violência que vamos nos ver livre dessa impunidade. É com leis. Leis não existem para punir apenas e sim para regular, evitar. Não fazemos justiça com as próprias mãos, simplesmente por que somos seres singulares e para cada um de nós há um modo de pensar. As leis existem para que possamos nos regular por algo votado, escrito em uma constituição.

A mim, particularmente, parece que temos nos comportado como um país dependente e infantil na medida em que passivamente nos oferecemos para sermos governados por aquilo que se apresenta, ou ainda por pedirmos para que o “grande pai ou a grande mãe” nos proteja e seja nosso eterno provedor.

Cresçamos. Precisamos nos levantar não a favor daquilo que é bom para nós individualmente e sim para todos nós, para além do nosso umbigo narcísico. Precisamos votar no que é necessário para o Brasil. Não podemos esperar que nos deem educação, cultura. Precisamos ir atrás dela. De nada adianta políticas públicas colocarem crianças nas escolas se elas não aprendem a ler. Devemos querer aprender e não apenas ir para as ruas gritar. Não podemos esperar que façam por nós o que não fazemos.

Cresci em uma família onde meu avô lia na mesa Olavo Bilac para os netos de um livro emprestado da biblioteca da igreja. Ele não tinha dinheiro para todos os livros que gostaria de comprar, mas tinha muita cultura por que correu atrás dela e a conseguiu gratuitamente.

Entendo que saúde, falta de médicos, falta de empregos, dificultam a sobrevivência, mas vamos as ruas… Reclamemos, cobremos, não nos conformemos, isso é democracia!

Ao invés de lutarmos uns contra os outros, maioria x minoria e vice-versa, “ele sim” x “ele não”, lutemos por nós. Por todos nós.

É com pesar, tristeza e assombro que me deparo, em meu consultório, com a escalada do ódio. Ódio que existe, eu sei, e que dentro de meu gabinete é exteriorizado para que possa ter vazão e direcionamento, mas que dentro da sociedade deve ser mantido no âmbito pessoal, protegendo o próprio indivíduo de sua exclusão.

Já não temos armas suficiente? Já não temos mortes suficientes? Não seria o caso de um desarmamento, de um maior entendimento nacional sobre quem realmente são as FORÇAS ARMADAS deste país e de lutarmos juntos cobrando para que possam ser desarmadas?

Já não existe corrupção suficiente para termos nossas ações corrompidas por o que este ou aquele nos proferem como verdade? Precisamos de mais ação contra aqueles que corrompem, que rompem com o que nossas leis estabelecem. Se não podemos roubar sob pena de sermos punidos, todos devem sê-lo. Estamos tão desfocados… O Foco está na arma, nos homossexuais, na ditadura, na corrupção, no preso e não em trabalharmos juntos.

Não me cabe como profissional concordar ou discordar daqueles que se dispõe a pensar sobre si mesmos. Cabe a mim escutá-los e fazê-los se escutar. Acolher o sofrimento humano e trabalhar com ele para que a vida possa ser melhor.

É, portanto, para mim mais lógico compreender do que julgar – o julgamento não cabe a mim como profissional.

O que cabe é comunicar a meus pares profissionais e meus compatriotas o que observo. Há um perigo que ronda… O de voltarmos à uma infância muito primitiva, onde só existe a nossa vontade, onde o outro não figura e onde a onipotência nos garante que nossos desejos sejam atendidos imediatamente e sem punição, pois seremos desprovidos de juízo.

Como disse, não vim aqui para discursar sobre partidos e ideais políticos, vim para me colocar ao lado daqueles cuja maturidade permite lutar com e não contra.

Alessandra T. L. Ciongoli
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Alessandra T. L. Ciongoli

Alessandra T. L. Ciongoli

Psicóloga e Psicanalista. Atendimento individual, casais, gestante e orientação para pais.
Online e presencial