Desculpe, mas é que hoje ela acordou às avessas. Não penteou os cabelos ou escovou os dentes, nem mesmo a roupa trocou. Espreguiça-se, deitada na cama, jurando – com juramento juramentado – que não a abandonará no dia de hoje. Embarca no sonho em pleno horário de almoço. Tentam arrancá-la do exílio, mas a porta trancada se mostra um efetivo empecilho. Não adianta gritar do outro lado, que ela decretou que só escutará, nesse dia, o que lhe apetecer. Como o disco que, liberada pelo sonho, ela coloca para tocar, volume nas nuvens. Dança até se cansar, alimenta-se de sentimento e de vista da varanda. Embebeda-se da ausência dos outros, aqueles a quem serve sob o comando do amor, e que vivem a tentar defini-la. Adormece, embrenhando-se nos cabelos do silêncio e decidida a exercitar o seu direito ao adultério imaginário. Amanhece com o despertador lhe atormentando. Resiste a abrir os olhos, por alguns instantes. Abre os olhos e se levanta. Lá fora o mundo gira. Dentro dela, ele se expande.
Pierrete © Di Cavalcanti
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