CRÔNICAS FIM DE ANO

O FIM DA LISTA

Eu sei que pode soar esquisito, mas, esse ano, ao invés de fazer uma lista de metas para 2019, achei melhor desfazê-la.

Eu não sei a sua, mas a minha tem chegado ao fim de cada ano intacta. Vou de mal a pior no cumprimento das metas e a lista de objetivos ao final de 2018, só não me deprime mais que a lista de mercado.

Achei que era hora de cortar.

Comecei cortanto a ginástica — faz uma vida que prometo fazer ginástica no ano seguinte, e a ginástica não sai do papel. Cortei. Vou movimentar o corpo como der, e prometo um sorvete semanal. Do bom, que engordar com porcaria não me interessa.

Também não vou mais aceitar que meus filhos me dêem coxinhas mordidas, balas chupadas e pirulitos previamente mastigados. Não dá. Chega. Só isso já fará de mim uma mãe melhor. E corto esse item também. Bora ser só uma mãe mais feliz.

Cortemos da lista o trabalho dos sonhos. Ele não existe e, se existir, paga mal. Troco por tempo de qualidade, e pela alegria de fazer algo que amo, ainda que seja um bolo de maçã ou uma poesia chinfrim.

Cortemos da lista as aulas de inglês, francês e de excel. Umas duas ou três viagens no ano com quem se ama, está de bom tamanho. Pode ser pra Socorro, Maui ou pro Atacama.

Também cortem aí, caso tenha, o encontro de um grande amor. Vai por mim, é tudo filtro no instagram alheio. A vida a dois (ou a cinco) é duríssima. Um encontro de idéias e um olhar que te enxergue é o melhor a ser desejado. Se você adquirir com essa pessoa, intimidade suficiente para lhe pedir em uma situação cotidiana, algo tão prosaico como “coça as minhas costas” ganhou na loteria. Cancele os outros pedidos e seja grato.

Também risque da lista o carro ou a casa grande. Troquemos por presença. Estar lá quando minha filha precisar, chegar antes que ele caia da estante, ver quando o dente dela cair, assistir quando ler as primeiras palavras, mostrar como o Sol fica laranja as vezes; puro ouro. Adicionemos.

Ser gentil com o vizinho, com o porteiro e com os pais. Olhar com profundidade, ver além do raso, viver com alguma poesia.

Agir mais, com alegria e amor genuíno nas coisas pequenas, como formigas trabalhadoras, uma rotina de fazer – o que quer que seja – com excelência, e celebrar com pizza (ou cerveja) aos finais de semana.

Apaga a lista. Rasga a lista, esquece a lista. A vida não se dispōe em ítens e nem cabe no papel.


(*texto publicado originalmente no blog da Minilou)

Kika Coutinho
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Kika Coutinho

Kika Coutinho

É psicóloga, tem 3 filhos, 40 anos e o blog Não Sou Daqui. É casada e atualmente vive na Flórida.