Levantou a vista da folha de papel ainda em branco e sem ideias, como ela. Do lado de fora, uma escuridão densa e gosmenta tentava escalar os vidros da janela. Sobre a cama uma camisola pronta para estrear. Instintivamente, seus olhos buscaram o luar, mas desistiram, sua retina era só noite. Quis acender um cigarro e, sem lembrar que fazia mais de trinta anos que não fumava, procurou no bolso do roupão. Sua mão se perdeu no desalento de um triste lenço amarrotado. Jogou-o fora. Com um suspiro, agarrou a caneta e apertou-a suavemente entre os dedos, acariciando-a. Precisava escrever seu último poema! Precisava? A pagina em branco a desafiava. A camisola continuava à espera. Dentro da noite, murmúrio distantes e vaga-lumes perdidos. Na sua cabeça, silencio. Antes de amassar a folha, escreveu: No silencio de uma página em branco, os olhos da noite ficam cegos de luz; e meu amor é uma caricia de tinta que se transforma em poema. Depois vestiu a camisola e deitou.