Tinha medo sim, não negava. Tinha medo dos vizinhos, dos gritos que subiam da rua, das vozes no portal. Tinha medo dos sussurros que se ouviam do outro lado da parede, e do som de botas nas escadas. Tinha medo da sombra impertinente que a seguia nos dias de sol, e do reflexo que a olhava descaradamente desde o espelho do seu quarto. Tinha tanto medo, que um dia fechou os olhos, entrou na toca e apagou a luz. Porém, justamente no centro da escuridão surgiu uma lua despudorada, e ela vislumbrou nela a possibilidade dum universo solitário e desconhecido. Começou a dormir de dia, a luz do sol deslumbrava-a. Acordava ao entardecer, tomava banho, lavava o cabelo, maquiava-se, perfumava-se, colocava um longo vestido preto de acentuado decote, aproximava-se à janela, sentava-se na varanda e uivava: Auuuuuuu! Os vizinhos a tacharam de louca. Nem se importou. Por primeira vez, naquela sua vidinha tola, sentiu-se quase feliz. Até chegou a recear que estivesse apaixonada.
Últimos posts por Yolanda S. Meana (exibir todos)