HIPERBREVES

ELETROCHOQUE

Nessa manhã tinha acordado muda, raciocinou. Por muito que gritasse, ninguém a ouvia. Janelas trancadas vedavam-lhe a luz. Sem paisagem. Sem tempo. Só o espaço informe da habitação. Só o silencio oco da casa vazia retumbando-lhe nas têmporas, e na imaginação. Na puta imaginação! A escuridão embriagava-a, irradiava imagens que não lograva compreender. Cega naquele cubículo esbranquiçado. Muda naquele leito de brancos lençóis. Surda no acromático invólucro que a vestia. Sem pés. Sem mãos. Sem corpo. A porta se abriu e passos cansados caminharam até ela. Não os ouviu. Vivia acaçapada num mundo silencioso além da escuridão. Prisioneira das sombras que habitam o outro lado do espelho. Uma mão de gelo colocou uma seringa sobre a mesa, e dispôs o aparelho da eletroconvulsoterapia. Nem se perturbou. Já não estava lá! Ela tinha se livrado das amarras. Ela tinha vestido as asas do vento. Ela tinha escancarado a janela da alma. Ela tinha pulado no vazio. Ela tinha aprendido a voar.

 

Yolanda S. Meana
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Yolanda S. Meana

Yolanda S. Meana

Jornalista e escritora.
Vive na Granja Viana.