Texto e fotos de Eduardo Vessoni, do site Viagem em Pauta
O interfone branco da casa de José Saramago e Pilar del Río nunca funcionou muito bem, o que algumas dezenas de vezes obrigou o próprio Prêmio Nobel da Literatura a se dirigir à porta para saber quem insistia em tocar a campainha.
Não raro, o visitante desconhecido do lado de fora –um fã em busca de uma dedicatória ou alguém para trocar palavras– era convidado para entrar e tomar um típico café português na cozinha com vista para o mar de Puerto del Carmen, nas Ilhas Canárias.
Cinco anos depois da morte de Saramago, em 2010, o clima hospitaleiro permanece inalterado naquela construção branca que se destaca na paisagem vulcânica dessa ilha espanhola, a 140 km da costa da África e a mil da Península Ibérica.
Está tudo lado lá, como se o escritor estivesse para chegar a qualquer momento, naquela casa que emprestou seus cômodos para abrigar um museu que até hoje serve como residência. E a gente nunca sabe se está em uma casa que virou museu ou se é um museu com alma de casa.
O relógio da sala sempre marca 16h00, horário em que o escritor conheceu sua esposa Pilar del Río; o computador onde escrevera clássicos da literatura segue sobre a mesa de madeira da biblioteca; e o café continua sendo preparado na cozinha para o visitante recém-chegado.
Localizada no município de Tías, em Lanzarote, ‘A Casa’ foi a residência em que o casal dividiu espaço com os cunhados de Pilar, por 18 anos, e local onde Saramago escreveu obras como “Ensaio sobre a cegueira” e “A viagem do Elefante”.
Durante uma conferência em Tenerife, em maio de 1991, José e Pilar aproveitaram a viagem para visitar os cunhados María del Río e Javier Perez, que já moravam nessa ilha de 845 km² de extensão. Apaixonados por aquele cenário de traços surreais, Pilar teria perguntado a Saramago com a intenção de fincar raízes por ali: “Nosso futuro passa por Lanzarote, José?”.
Não só o futuro, como também o presente e o passado.
A visita guiada de uma hora pelos cômodos da casa, transformada em museu, em 2011, é como uma experiência literária ao vivo, em que os textos escritos pela própria Pilar vão sussurrando detalhes das vidas profissional e pessoal de Saramago, nos ouvidos dos visitantes que são acompanhados pelo áudio guia.
Assim como em sua obra, de textos marcados pela oralidade e pela pontuação nada convencional, a visita surpreende. Sobretudo quando o guia que lhe abre a porta da casa é Juanjo, o filho de Pilar del Río que também trabalha no museu.
E a cada ambiente que se visita, Saramago parece voltar a viver como uma viagem que sempre recomeça, assim como a vida, segundo texto do próprio escritor, na obra ‘Viagem a Portugal’.
A Casa
Calle Los Topes, 2 (Lanzarote, Ilhas Canárias – Espanha)
Tel.: (34) 928 833 053
De segunda a sábado, das 10h às 14h (a última entrada é às 13h30)
Entrada paga
www.acasajosesaramago.com
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