A médica geriatra e gerontologista Ana Claudia Quintana Arantes, pós-graduada em Intervenções de Luto e especialista em Cuidados Paliativos, tem como mote em sua profissão que ‘a morte ensina a viver’.
Desde o começo de sua Residência profissional, ela se interessou pelo que quase ninguém se interessa: o fim da vida. E despraticou as normas dedicando-se a entender o que a medicina tem a oferecer para o paciente terminal – pessoas que estão sem perspectiva de cura e cujo organismo não responde mais aos tratamentos.
O cuidado paliativo, que todos nós pensamos ser referente ao ‘não tem mais nada pra fazer’, deveria ser encarado como o que há de principal a ser feito por alguém que está se despedindo da vida – inclusive porque a palavra, que vem do latim palium, significa manto, cobertor, ou seja, proteção. Proteção contra o sofrimento, a dor, a angústia de se desprender da vida com dignidade, diante de uma doença grave, incurável, fora da possibilidade de tratamento de controle que, fatalmente, levará à morte.
A terminalidade é um conceito que indica que um distúrbio orgânico está seguindo seu curso natural, sem possibilidade de reversão e, quase sempre, produzirá sofrimento. A médica afirma que as doenças se reproduzem repetidamente e da mesma forma na humanidade, mas o sofrimento é único e pessoal para cada um de nós. Portanto, tem que ser tratado individualmente.
Segundo ela, talvez não se consiga tirar completamente o sofrimento do outro, mas o fato de o acolher faz com que fique menos difícil de ser vivenciado. A pior forma de você lidar com o sofrimento é negando sua existência. Ela divide o momento em cinco frequências diferentes, que devem ser tratadas:
O sofrimento Físico, considerado urgente, é o primeiro a ser tratado no controle de sintomas, pois é ele que indica o risco real de vida. Medicado e sem dor, o paciente tem a chance de vivenciar o momento com alguma tranquilidade.
A dimensão do sofrimento Emocional é complexa, pois ele dá ao paciente a proporção exata de sua finitude iminente – embora todos saibamos com certeza que nosso destino final é a morte, não pensamos nisso com regularidade. Essa proximidade premente que uma doença decreta, carrega o peso do paciente lançar-se ao entendimento dessa limitação imposta, sobre a qual não tem mais controle. Surgem os questionamentos – para os quais as respostas são densas.
O sofrimento Social – O paciente quase sempre reluta em expor sua doença e não quer que os amigos e/ou familiares fora do núcleo principal tenham conhecimento dela, pois quer evitar preocupações alheias e a consternação – o que provoca muita ansiedade.
O sofrimento Familiar – É sabido que ninguém enfrenta uma doença terminal sozinho: a família inteira adoece. Há uma desestruturação do desenho familiar, onde os papéis de cada indivíduo dessa família terão que se reorganizar. Se você já passou por isso com um ente próximo, certamente vivenciou essa experiência.
O sofrimento Espiritual não tem a ver com religiosidade, mas com a relação que cada um tem consigo mesmo, com o outro, com a natureza, com o universo e com Deus – se acreditar Nele – ou com o todo, pois independente de crenças, todos buscamos sentido para nossa existência.
Nos cuidados paliativos, portanto, há muito o que fazer quando consideramos esses sofrimentos. E o que pode e deve ser feito, na opinião dela, tem que necessariamente passar pela verdade entre médico e paciente. Um médico, preparado para cuidar da doença, não pode se frustrar quando ela não tem cura; o que ele deve é entender que seu paciente é muito mais que um corpo e não tem tempo a perder com quem não lhe dá importância real até seu último instante de vida.
Um milhão e cem mil pessoas morrem por ano no Brasil. Dessas, cerca de oitocentas mil morrem de doenças crônicas anunciadas, degenerativas ou câncer – e essa morte desvendada proporciona a oportunidade de redimensionar a própria existência.
A função do médico nesse contexto é respeitar e entender o mérito disso, e oferecer o que de melhor há no campo da Ciência – tecnicamente embasado em evidências de resultado positivo -, para que o paciente possa fazer bom uso da vida dele. Outra coisa de vital importância é ouvi-lo – todos gostam de ser ouvidos, afinal.
A médica Ana Paula não faz apologia à morte – a vida é que é linda! O que ela prega é a morte digna, capaz de dar ao paciente terminal, com cuidados paliativos, a chance dele dar conta de suas pendências – já que ninguém está pronto para morrer.
Mas é no final da vida que, segundo ela, exterioramos nossa essência humana – o estado de amorosidade. É nesse ínterim também que o ser humano é mais capaz de distribuir generosidade, gratidão, conhecimento (especialmente a quem se dedica a melhorar esse tempo final que resta), além de vivenciar períodos de alegria como reconciliações, perdão, agradecimento, o retomar de laços – ou seja, dar sentido à existência e libertar-se de medos, culpas, da solidão que é passar pela finitude da vida.
No final de nossa existência, tudo faz sentido.
O cuidado paliativo salva a Vida – não a doença -, dando a chance de embarcar de primeira classe rumo ao derradeiro momento, pois como ela diz, “só morremos uma vez, e não dá pra dar vexame. A morte tem que ser um dia que vale a pena viver.”
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