FALAS CONTADAS

A GARGALHADA

Quando o noivo tomou a mão da noiva e pronunciou o famoso “sim, quero”, uma gargalhada trovejou pela nave principal da igreja. Fugida de lábios invisíveis estourou raivosa contra a bobada envidraçada do templo. Era uma gargalhada feroz e lúgubre; doída e ríspida. Uma gargalhada difícil de esquecer, dessas que deixam marcas indeléveis na memória. No altar, a noiva voltou à cabeça, olhou os convidados e percebeu neles um gesto de estupefação, quiçá de medo. Ninguém ousava respirar. Petrificados todos num silencio denso e incómodo. No coro, o órgão iniciou os primeiros acordes da Ave Maria de Gounod, mas ninguém conseguiu cantar. A sombra da gargalhada insolente o impedia. Atónito, o padre olhava os contraentes com olhos interrogadores. Descontrolada, a noiva pedia aos berros que alguém amordaçasse aquela sombra branca e despudorada que não parava de gargalhar. Já o noivo, olhos clavados no chão, camisa molhada e cabelo empapado em suor, apertava a aliança com desespero.
Yolanda S. Meana
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Yolanda S. Meana

Yolanda S. Meana

Jornalista e escritora.
Vive na Granja Viana.