Num mundo onde cada vez mais as famílias tem se tornado multiespécies, se você tem cães ou gatos já ouviu falar de ‘comunicação intuitiva’ com animais. Se tem redes sociais e comunicou lá que está triste por perder um bicho recentemente, com certeza seu feed foi invadido por anúncios dessa prática – sim, o algoritmo te achou e te identificou como um potencial cliente.
Foi o que aconteceu comigo. Em Maio/2023 uma das nossas labradoras morreu e não consegui escapar dessa abordagem comercial – que ignorou que sou ateia, o que, por si só, deveria ter me tirado dessa listagem (prova que o algoritmo é falho).
Mas como uma observadora nata, comecei a acompanhar essas narrativas, e foi sem surpresa que notei uma semelhança com os métodos espíritas – o que não é novidade pra ninguém, porque não tem outro jeito de falar com um animal senão através de uma conexão mística.
O que me surpreende, na verdade, é a fé irracional, incapaz de pensar com clareza e objetividade.
Claro que eu adoraria acreditar num ‘céu de cachorros’, um lugar onde todos os bichos que amei estão à minha espera, correndo livres e sem dor. Obviamente também que eu ficaria em êxtase ao saber que, por exemplo, Luna, a última cachorra que perdi – e precisamos eutanasiar -, ‘ficou feliz’ com a minha decisão (!!!), uma vez que ‘ela sabe que cumpriu sua missão na terra’, e ‘não preciso chorar e menos ainda me culpar.’ Não seria um alento maravilhoso?
Quando eu era jovem, meu primeiro namorado morreu num acidente de carro indo pra faculdade. Ele tinha 33 anos, era o quarto filho de cinco irmãos, ainda morava com os pais (naquele tempo isso era comum a filhos solteiros), e eles ficaram muito abalados.
Um conhecido da família os levou para o que, naquela época, era chamado de “Sessão de Mesa Branca” (não tenho certeza se ainda leva esse nome), que consistia(e) em uma reunião entre Mestres Espíritas que conversam com quem morreu e escrevem tudo que ele diz. A carta entregue aos pais do Pedro dizia que ele estava bem, mas muito chateado por ter morrido (!!!) – estava furioso, na verdade, em especial com o amigo que estava dirigindo, que morreu no dia seguinte (ele morreu na hora). Mas tranquilizava a todos, pedia que ninguém chorasse, que estava num lugar cheio de luz, ia ficar bem, etc, etc, etc…
Conhecendo-o como eu o conhecia – ele era 10 anos mais velho que eu e desde criança convivi com ele -, eu quase achei que ele pudesse ter mandado essa mensagem mesmo – pela menção de estar ‘muito irritado por ter morrido’ (era a cara dele essa ironia). Ele estava no auge – era um publicitário de sucesso -, terminando sua segunda faculdade (Direito), cheio de planos pro futuro, então me soou pertinente.
Só que desde os 15 anos, quando descobri que a religião era um engodo, sou uma mulher 100% racional e faço uma leitura simples e direta de tudo que ouço e vejo. E, definitivamente, mesmo que fosse uma carta fofa, não era crível. Mas foi importante para seus pais, gente de fé, para que se sentissem um pouco mais conformados.
Veja bem, aqui cabe um adendo: não tenho nada contra as crenças de ninguém, mas num mundo onde a religião transformou-se numa arma, que doutrina e cega, vejo esses movimentos como uma cilada, uma armadilha que engana e distrai as pessoas da dor – o que, por alguns ângulos, é até benéfico, mas absolutamente irreal.
A “comunicação intuitiva” me soa como mais um “canto de sereia” para corações em sofrimento – é realmente um conforto saber que um animal adorado, apesar de tudo, “está feliz por ter morrido, pois já cumpriu sua missão conosco.” Acredite, esse é quase um discurso padrão – eu sigo, numa sondagem curiosa para ver até onde isso pode ir, acompanhando esses depoimentos – estão lá nos perfis que oferecem o serviço pra quem quiser ler, com autorização dos tutores inclusive, muitas dessas transcrições de contato, e não teve um cachorro ou gato que ficou minimamente aborrecido por ter morrido. Que reclamou da eutanásia. Que não achou que era sua hora: todos cumpriram sua missão.
E tem depoimentos de cães e gatos vivos também, que sempre validam todas as atitudes do tutor – um ou outro pondera que o tutor é muito ansioso e isso o estressa também, que não gosta do local que dorme (e indica onde quer dormir), que prefere morar na fazenda – mesmo que o tutor só apareça a cada morte de Papa -, e por aí vai.
Nessa semana, após a comoção do Golden Joca, que morreu durante uma desastrosa viagem de avião, uma dessas terapeutas intuitivas escreveu que Joca foi levado por anjos quando começou a se sentir mal (aliviando a preocupação do tutor dele ter sofrido), que está bem, cumpriu sua missão (logicamente) e que em quatro meses retorna pra ele na pele de outro animal – ele vai reconhecer pelo olhar.
Tirem suas próprias conclusões…
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