Canta como um anjo e dança como um demônio, dizia quem teve a sorte de vê-la atuar. Ela ouvia e calava. Quem cala consente, afirmava a mãe. Ela não consentia, não. Ela transmutava-se. A voz vinha do fundo do ventre, subia à garganta, e desgranava-se em límpidas notas que invadiam o espaço sideral da boca, feriam a resistência dos dentes e, num crescendo, atravessavam a umidade dos lábios, à procura dessa liberdade que ela mesma nunca chegou a possuir. O público, extasiado, parava de respirar. Nesse segundo de silencio, o corpo de Maria acordava, espreguiçava-se, sacudia-se. Seus olhos fixavam-se na chama duma fogueira que só ela conseguia ver; seus braços rasgavam o ar denso da madrugada; seus pés, vestidos de fúria, sapateavam os tambores da terra; seu peito içava-se altivo, qual vela duma nau corsária, debaixo dos volantes da blusa branca e suada. E enquanto os homens uivavam ao ritmo frenético de seus quadris, o corpo de Maria serpeava, e sua voz rasgava-se num lamento: aayyy…
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