Filho de não sabe quem. Parido ao deus-dará. O parido ao deus-dará cai no mundo de cara, ele sabe. Escutou avó de alguém dizer que filho de ninguém tem a vantagem de não dever benção a quem seja. Beijou-lhe a mão, naquele dia. Aguaram-se os olhos da mulher, que andava carente de afeto. Ele acredita em bênçãos. Mesmo cometendo seus pecados, é adepto do afeto. Acredita no sonho que teve quando moleque. Sendo assim, aguarda o anjo que entrará em sua vida para mudar desfecho. Assiste tevê na casa do amigo. O amigo cai no sono, mas ele não. Durante o filme, o anjo vem. É profundo o desapontamento ao perceber que o desfecho que o anjo traz não é para ele, mas para o filme. Mesmo assim, acha o anjo mais lindo do que no seu sonho. Na sua figura cabem o desejo dele de sobreviver à própria sina e o medo de que isso não aconteça. Agridoce. Ele sorri de mostrar os dentes. Porque quem vem ao mundo ao deus-dará, não abre mão de celebrar milagre, mesmo quando o milagre não lhe pertence.
© Cena do filme “Tão Longe, tão perto”,
de Wim Wenders
de Wim Wenders
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