Pela manhã, baixo um céu quase noturno, saía de casa a caminho do trabalho. Na banca de jornal comprava o diário. Na padaria do seu Manoel tomava café. Atravessava a rua e, perto do parque, alçava a vista até um pequeno balcão no terceiro andar dum velho prédio de tijolinho vermelho. Por uns segundos seus olhos descansavam no olhar azul duma mulher quase invisível e idade indefinida. Vivia obcecado por ela. Imaginava-a uma pessoa sociável que se habituara à solidão. Uma mulher luminosa que vivia na penumbra. Um ser doce e meigo. Intuía-a pálida e bela. Entendia que seus dias eram fendas de tempo no vazio da eternidade. Sua única certeza era que a amava. Sim, amava-a e vivia em função daquela matutina troca de olhares. Após uma noite de insônia, decidiu tocar à campainha e declarar-lhe seu amor. Chamou horas a fio.“Há muito que esse prédio está vazio”, contou-lhe um colega dias depois. “Sua última inquilina foi uma mulher muito bela que morreu, dizem que de tristeza, naquele balcão”.
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