O ator Ricardo Darin é quase uma unanimidade e poucos são os filmes argentinos em que ele não figura. E em “Relatos Selvagens”, por conta da estrutura – uma pequena coletânea de contos curtos (como “Eu te Amo, NY”), sua aparição é pequena, mas não menos marcante. Com apenas seis episódios, “Relatos Selvagens” nos remete à selvageria do ser humano – literalmente. Diante de realidades imprevisíveis, os personagens percorrem a linha tênue que separa a civilização da barbárie, mostrando que, dependendo da situação, “qualquer um pode perder o controle”.
A primeira história, sobre um voo corriqueiro, já é um susto pelo surrealismo e surpresa, com cenas curtas, rápidas, e um final extraordinário – note em seguida a entrada dos créditos e a relação com os animais selvagens.
Outro conto retrata o que poderia ser um evento simples na vida de dois homens que estão dirigindo por uma estrada deserta – um desentendimento de pequenas proporções por causa de uma ultrapassem -, transformando os envolvidos em seres absurdamente transtornados pela raiva. Claro que, sendo uma ficção, é possível agigantar o evento, mas não tenho certeza de que não possa acontecer nas ruas.
Ricardo Darin entra em cena no meio do filme com outro evento que poderia ser corriqueiro, mas se transforma em ‘dias de fúria’ quando ele tem que enfrentar o ‘sistema’: seu carro é rebocado no dia do aniversário da filha e ele se vê às voltas com a burocracia, as autoridades, aquilo tudo que, efetivamente, pode nos remeter à loucura no dia-a-dia e a um impulso de violência extrema (que normalmente contemos). Mas o “sistema” parece ser igual no mundo todo.
Há também o episódio da funcionária de uma lanchonete de beira de estrada, onde entra o homem que prejudicou sua família, mas não se lembra dela, e um sobre corrupção, onde um pai tenta livrar o filho de ser preso por causa do atropelamento de uma mulher grávida – o sempre aclamado ‘limite da ética’, aquele que todos condenamos mas que, eventualmente, podemos lançar mão.
A última narrativa acontece numa festa de casamento, repleta também de surrealismos. Os personagens se veem enredados numa situação “drama mexicano”, com uma sequencia e um desfecho loucos, em que os noivos só se descobrem depois de vários desastres. A atriz Erica Rivas, que nos remete às mulheres de Pedro Almodóvar, tem uma atuação espetacular, encerrando o filme de forma épica e até otimista – apesar de toda ‘selvageria’ desse conto final.
É possível que nem todos os episódios agradem a todos, mas a trilha sonora do compositor Gustavo Santaolalla é muito feliz, e o diretor Damián Szifron, uma espécie de “Quentin Tarantino argentino“, soube utilizar muito bem a violência em pró do humor. Vale ver.
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