HIPERBREVES

DESOLAMENTO

Tem nada a dizer. Ainda assim, diz. Há quem a chame de defensora da prolixidade, mas há também quem se encante com suas palavras desperdiçadas. É uma desperdiçadora de palavras que não se sente acuada diante do oposto. Porque também há dias em que tem tanto a dizer, mas engasga. E apesar da dificuldade em se expressar devidamente, jamais renuncia à sua vez. Grita se for preciso. E se preciso for, grita ainda mais alto. Nasceram assim algumas declarações declamadas no amparo do silêncio. Que a perdoem os que não se sentiram reverenciados, mas desgostar também faz parte do seu repertório, o que pode ser, às vezes, confundido com afeto. Quando tem nada a dizer, melindra. Alguns até lamentam quando volta à fluência dos seus pensamentos bagunçados, como se tivesse se embebedado com o desdito. E outros, observam-na com seus olhares derramando palavras circenses, destinadas aos malabarismos de fazer os outros se curvarem ao vazio que sustentam. 

| Carla Dias |
Silence © Henry Fuseli
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Carla Dias

Carla Dias

Autora de "Estopim", "As Asas da Borboleta", "Jardim de Agnes", "Os Estranhos" e "Azul", além de participação com contos e crônicas em mais quatro coletâneas - entre elas, "Acaba Não, Mundo", do site "Crônica do Dia", onde ainda escreve às quartas-feiras. Trabalha como Produtora de Eventos junto à baterista Vera Figueiredo [IBVF Produções]. Vive em São Paulo.