Levantou-se do carro e, com a objetividade que há num último momento de coragem, perguntou à mulher: “Quem matou quem?” E como a negra não respondeu se fora o pai que matara a mãe ou a mãe que o fizera, ela deixou-se cair novamente no assento do carro, enquanto o mundo se interrompia num hiato. E esperou. Tudo esperou. As coisas precisavam se reorganizar para o movimento se restabelecer. Quando isso aconteceu, e a brisa do dia soprou novamente em seu rosto fazendo a pálpebra piscar sobre seu olho seco, o professor lhe contou o que queria saber, e nem mais um detalhe. Deixou que a menina ficasse ali imóvel, no seu novo mundo (suspenso), e não ousou acalentá-la como teria desejado fazer não tivesse a vergonha impedido, pois no ponto em que a menina se encontrava agora talvez um gesto assim fosse pouco. Talvez fosse invasivo. Talvez. De qualquer forma, logo vieram pessoas para carregá-la dali. Ela não se opôs, e ele deixou que a levassem.
Maitê Proença | “Uma vida inventada”
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