No livro Jogos e Brincadeiras do Povo Kalapalo aprendi que o povo indígena do alto-xingu adota o vocábulo kagaiha, que foi aportuguesado para caraíba, para apontar o estrangeiro.
A jornalista Sônia Bridi fez da palavra chinesa Laowai, que também significa estrangeiro, o título de seu livro: Lawoai, Histórias de uma Repórter Brasileira na China.
São dois livros altamente recomendáveis, não tenho dúvidas. A minha dúvida – ou melhor, a minha reflexão – está localizada noutro ponto, que vou tentar desvendar.
Caraíbas, Lawoais, estrangeiros. Que rico o planeta em que moramos! Quantos vocábulos, quantas culturas, costumes, comportamentos, indivíduos distintos! A fatia de mundo que enxergo, que ouço, que sinto é tão pequena! Há tanto para conhecer e aprender.
Sem me preocupar com erros ou acertos, mas buscando a essência daquilo que reconheço como humano, olho o mundo tentando entender as separações que aceitamos em nosso dia a dia.
Muitos tipos de separação e classificação nos são impostos, além dos geográficos. Somos homens ou mulheres, jovens ou velhos, ricos ou pobres, elite ou povo, candidatos ou eleitores, nativos ou estrangeiros … E tanto mais que nem vale a pena pensar – afinal, não somos sempre caraíbas sob o olhar de alguém?
Penso que o olhar do outro me vê de uma forma que preciso conhecer para ampliar minhas possibilidades de ser e de estar. O meu olhar sobre o outro é também uma possibilidade para ele. As interações e relacionamentos, permitem ou não, que esses olhares se revelem.
Para conhecer o outro preciso me aventurar, ousar novos caminhos, calar o eu autocentrado e ouvir, contemplar, gastar tempo na tentativa de um não julgamento e sim de acolhimento à diversidade.
E, porque somos todos diferentes e porque o respeito traz paz, o desafio é grande, mas imensamente atraente.
Os aeroportos estão cheios de viajantes, pessoas que querem conhecer novos horizontes, que querem conhecer mais e mais caraíbas e lawoais e, que são vistos mundo afora como caraíbas e lawoais.
Conhecer novas culturas e lançar novos olhares para o mundo é dar oportunidade àquelas potencialidades oprimidas pelo estilo de vida ao qual se aprisionaram.
E sobre estas prisões às quais estamos sujeitos, menos ou mais conscientes, gasto tempo e energia. Entendo que a igualdade é desejável no que se refere ao respeito. Ao nos entendermos como estrangeiros, com a curiosidade e desejo de conhecer o outro de mim diverso, oportunizamos o desenvolvimento e ampliação do que é essencial a este habitante terrestre, a esta massa heterogeneamente rica e miscigenante. E é o amor que nos reduz e nos eleva a uma condição única e comum, somos todos seres humanos, imperfeitos, em constante mudança.
Riobaldo, célebre personagem de J. Guimarães Rosa, tem uma fala linda que cabe como desfecho dessa minha reflexão: “O mais importante e bonito, no mundo, é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.”
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