“A elegância do ouriço”, Muriel Barbery | (Companhia das Letras)
Adiei o desenlace de terminar a leitura desse livro o quanto pude, lendo as últimas 30 páginas bem devagar… É que eu tinha lido por aí que o final era trágico e previsível, e como suspeitei que essas colocações tivessem alguma ligação com Renée, minha personagem favorita, tratei de prolongar-me.
Acontece que o final, no meu entender, não tem nada de previsível. Mas é triste: daquelas tristezas profundas, próprias das tragédias sem sentido, que sempre nos lembram que tudo muda num segundo – para o bem e para o mal. A impermanência.
Mas até chegar aí, o livro conta a história da ligação, bastante improvável, de uma menina rica de 11 anos e uma mulher pobre de 54 – ‘improvável’ porque, afinal, o que pode haver em comum entre pessoas de gerações e níveis sociais tão distantes?
Muita coisa… A começar pela inteligência de ambas, até a perspicácia, o olhar sem retoques para as pessoas e o mundo, a sensibilidade para a arte e a literatura, a inclinação ao silêncio e à reflexão, o despojamento, a profundidade de pensamentos capazes de analisar, sem paixões, tudo que as cerca.
Paloma, a adolescente, e Renée, na outra ponta do tempo, não economizam ponderações sobre a existência fútil e passional, despropositada, e as duas conseguem perceber, mesmo estando em lados opostos, todas as máscaras sob as quais os seres humanos se escondem… O filme baseado no livro é o francês “Le Hérisson” – que não conseguiu captar toda a essência do livro na minha visão.
Contado em duas vozes, em capítulos intercalados, o livro é leve, rico em detalhes de sentimentos e percepções. Uma leitura excepcional.
“Por fora, é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto aos ouriços, que são uns bichinhos falsamente indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes.” [Paloma, sobre Renée]
[Renée sobre si mesma] – “Há sempre a via da facilidade, embora eu repugne tomá-la. Não tenho filhos, não assisto televisão, não acredito em Deus, e são esses todos os sendeiros que os homens pegam para que a vida lhes seja mais fácil. Os filhos ajudam a diferir a dolorosa tarefa de enfrentar a si mesmo, e depois os netos que se virem. A televisão distrai da extenuante necessidade de construir projetos com base no nada de nossas existências frívolas; embaindo os olhos, ela livra o espírito da grande obra do destino. Deus, enfim, acalma nossos temores de mamíferos e a insuportável perspectiva de que nossos prazeres um dia chegam ao fim. Assim, sem futuro nem descendência, sem pixels para embrutecer a cósmica consciência do absurdo, creio poder dizer que não escolhi a via da facilidade.”
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