“Quando os deuses querem nos punir, atendem nossas orações.” (Orson Welles)
Outro dia, revi o filme ‘A Origem’ – com Leonardo DiCaprio e Helen Page. O cineasta Christopher Nolan (de “Batman – O Cavaleiro das Trevas” e “Amnesía”), conhecido por conceber narrativas confusas e pouco usuais, definia a trama como ‘uma ficção científica de ação que ocorre na arquitetura da mente’. Isso significa, sob o prisma dele, uma realidade em que é possível entrar em sonhos alheios, fazendo do personagem principal um terrível invasor do sono profundo com objetivo de roubar informações.
É um filme que demanda muita atenção para entender todas as nuances do roteiro – que é bem lapidado, mas cheio de interrogações. E como o filme é ‘rápido’ demais (meio trilogia Bourne), você se vê literalmente grudado na tela – senão, se perde do sonho e aí não entende nada mesmo.
Naquela noite, sonhei coisas tão absurdas quanto as da tela e acabei, durante o dia, divagando sobre sonhos de forma geral – aqueles que se sonha acordado e os do inconsciente.
No filme em questão, tem uma personagem que se perde da realidade e pensa que a vida real é aquela que ela sonha. Isso pode parecer totalmente contrário e oposto à razão – e o é. Se você inventar um mundo perfeito pra si mesmo, o lugar ideal para se viver, a vida sob sua única con/percepção, te chamarão de alienado e é bem provável que você ganhe um passaporte para o hospício mais próximo – endossado, inclusive, por aqueles que te amam.
Seria mesmo loucura desejar algo assim? Ser arrebatado pelo extraordinário e fora do comum, dias e noites em plena sintonia com seu desejo, sem mortes, perdas, dores, sem ausências, nem nada fora de contexto? Imagine um tempo sem tragédias ou catástrofes, um lugar sem assaltos e assassinatos… Parece bom, mas será mesmo possível encaixar-se num universo de excelências? Não sei responder… Sim, porque mesmo num ‘mundo perfeito’ até o que se deseja pode ser um tormento quando conquistado.
Vou dar um exemplo simples: imagine uma moça, jovem, que recebe a notícia de um médico de que, por um problema nos ovários, sua chance de ter filhos é uma em um milhão. Ela se sente a última das mulheres, pois tudo que desejava na vida era ser mãe. E passa os dias sonhando com um bebê impossível nos braços.
Até que um dia, por acaso ou descuido (quem poderá afirmar?), se descobre grávida. Susto e incompreensão: ela é solteira, o rapaz da ‘transa inconsequente’ não quer ser pai (nem por decreto), ela está às voltas com uma promoção no trabalho (também tão sonhada), e se vê, dentro de um milagre, às voltas com a maternidade – e o seu ‘mundo perfeito’ dissolvido em pedaços, uma vez que ser mãe é só parte da história sonhada.
“Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes? Morrer… dormir… mais nada… Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne. (…) Morrer… dormir… dormir… Talvez sonhar… É aí que bate o ponto. O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando ao fim desenrolarmos toda a meada mortal que nos põe suspensos.”(…)
(Shakespeare, em Hamlet)
É, como se vê, tudo uma questão de ótica. Ou de sonhos: os que se quer apenas sonhar, e os que se quer efetivamente viver…
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