Cinema. Belas artes. Luzes acesas. Devorávamos um pacotão de pipoca observando quantos casais de meia idade entravam na sala e se acomodavam. Eu estava confortável, pertencente àquele mundo.
Os cabelos grisalhos da maioria dos homens me faziam observar a cabeça das mulheres. Eu questionava: porque elas têm que pintar os cabelos? Eu acho os homens charmosos assumindo idade.
Sentado sozinho, à nossa frente, um homem totalmente calvo me provocava a historiar… Minha cabeça não para. Adoro inventar temperamentos, personalidades, imaginar enredos, tentar amarrar nos comportamentos o passado e o futuro de desconhecidos.
Um casal pediu licença e sentou-se ao lado do personagem em questão. Subitamente, uma ironia do instante, duas cabeças reluziam lado a lado. Dois balões da mesma cor. Crânios calvos, de formatos diferentes. Na minha cabeça cabeluda e pintada surgiram marcianos e outros ETs. Afinal, como dois seres humanos podem ter ossaturas tão diferentes, ainda mais a caixa craniana que aconchega e abraça nossos cérebros, que tecnicamente, são idênticos em sua estrutura biológica? Um era mais redondo e bonito e o outro, triangular, cheio de cavidades.
Meu pai era careca também. Eu sempre achei os carecas interessantes. Vale falar do Ricardo Boechat, careca, inteligente e charmoso. Será que a sua esposa, a Veruska, já é grisalha? Será que pinta os cabelos?
O pensamento estava se estruturando, ganhando forma; ainda não tinha nem arranhado uma trama para os dois carecas, mas tive que levantar para deixar que entrassem duas pessoas na fila.
Oh, my God! Como silenciar perante tal surpresa!? Ela passou, de vestido, tinha as pernas fininhas – não deve ter comido formigas quando criança -, mas eram tão peludas que me fizeram procurar seu rosto. Quem era aquela poderosa que assumia os pelos das pernas? Será que ela pintava os cabelos? Uma boca bem vermelha, sorridente e tagarela; o batom da moda moldava seu sorriso barbado. Ela tinha barba!! Barba e bigode!! E não era careca, não! Tinha bastante cabelos, amarrava-os no alto da cabeça, feito samurai. Não eram cabelos grisalhos – ela era jovem. Ela era ele. Ele era ela. Ou sei lá – ela era ele vestido e maquiado de ela, autenticamente peludo e barbado.
Ele sentou e deixou vazia a poltrona ao meu lado para sua amiga, que era uma mulher de calça jeans, peito, cabelo tingido como o meu e, provavelmente depilada também. As duas falavam sobre depilação, e eu queria ouvir melhor. Olhei pro meu marido que estava curioso como eu.
Ah, está cada dia mais careca, o meu marido. Nosso casamento já tem tantos anos, quase eterno. Às vezes, quando fico pensando nisso, eu me sinto meio fora da casinha, talvez. Nossas cabeças tão diferentes. Ele é careca e eu tinjo meus cabelos grisalhos. Somos teimosos, os dois; insistimos em ser felizes nesse mundão que se alarga, cheio de personagens provocadores de novas histórias.
Ontem foi sábado, dia de namorar. Pedi pro meu careca usar uma peruca rosa e eu coloquei uma gravata. Gostei. Meu homem interno também gostou. Será que um dia deixarei de depilar as pernas e pintar meus cabelos? Talvez eu mande raspar minha cabeça.
- SOMOS TODOS CARAÍBAS - 19/09/2016
- O ETERNO RETORNO - 17/02/2016
- POR DENTRO E POR FORA: CABEÇAS - 10/02/2016