CINEMA | SÉRIES

QUANDO A JUSTIÇA FALHA

A série “Olhos que Condenam” (tradução do original “When They See Us”) da Netflix mostra bem como Justiça e Política andam de mãos dadas. Baseada em fatos reais, os quatro capítulos retratam um dos casos mais chocantes de erro judiciário da história recente dos Estados Unidos.

Conhecidos como “Os Cinco do Central Park”, Antron McCray, Yusef Salaam, Raymond Santana Jr., Kevin Richardson e Korey Wise, são os adolescentes negros do Harlem que foram injustamente acusados de um estupro brutal ocorrido no Central Park, em Nova York, na Primavera de 1989.

Naquela madrugada de 19 de abril, uma jovem branca foi achada inconsciente e desfigurada entre os arbustos do Central Park, apenas de sutiã de ginástica. Tinha duas fraturas cranianas, hipotermia, perdera 75% de sangue e tinha restos de sêmen no corpo. “A corredora do Central Park”, como ficou conhecida, sobreviveu, mas quando recobrou a consciência, duas semanas depois, não se lembrava de nada. Somente em 2003, quando o verdadeiro culpado foi revelado, ela escreveu um livro e seu nome foi conhecido: Trisha Meili (na época, analista financeira do mercado financeiro em Manhattan).

A trama discorre mais ou menos 15 anos do caso, retratando uma sequencia perversa de falhas da polícia – que induz os meninos, que tinham entre 14 e 16 anos, a acusarem-se mutuamente (somente dois se conheciam de fato).

Wise, o menino mais velho, que mal sabia ler e escrever, desconhecia a gravidade da palavra ‘estupro’; em seu depoimento gravado, depois dos policiais lhe dizerem que seria libertado, o jovem afirmou que aquele era “seu primeiro e único estupro e nunca mais aconteceria”. Ele sequer sabia onde o crime havia ocorrido, e tinha ido apenas acompanhar o amigo, que também havia sido detido. Por já ter 16 anos completos, Korey Wise foi encarcerado numa prisão adulta, sendo vítima de todo tipo de atrocidades destinadas a estupradores, tanto de policiais quanto de outros detentos.

O julgamento foi respaldado por uma Promotoria que, mesmo duvidando das provas [fabricadas], foi convencida pela Promotora Chefe – uma mulher vaidosa que buscava holofotes – a seguir adiante, alegando que o caso era mais político do que judiciário – numa época em que NY tinha violência galopante e a polícia não conseguia resolver os crimes -, e da imprensa, que sensacionalizou sem investigar, fazendo do episódio um caldo de racismo estrutural, aumentando as distâncias da dignidade humana e equidade racial. O atual Presidente, Donald Trump, gastou milhões em publicidade pedindo a Pena de Morte para os meninos.

Criada por Ava DuVernay, de “Selma: Uma Luta Pela Liberdade”, que também co-escreveu e dirigiu os episódios juntamente com os roteiristas Attica Locke, Robin Swicord e Michael Starrbury, a série é produzida por Oprah Winfrey e Robert De Niro.

No elenco estão Vera Farmiga, Felicity Huffman, Niecy Nash, John Leguizamo, Michael K. Williams, Christopher Jackson e Joshua Jackson.

Assista ao trailer e não deixe de ver…


DOCUMENTÁRIO

Em 16 de abril de 2013, a hashtag #CP5 ocupou o primeiro lugar entre os marcadores de assunto mais usados no Twitter nos Estados Unidos, em referência a The Central Park Five [Os Cinco do Central Park]: o documentário estreava na PBS, a tevê pública americana, dirigido pelo cineasta Ken Burns, sua filha Sarah Burns e o marido dela, David McMahon.

Nessa versão, o ex-prefeito Ed Koch, morto em fevereiro (2013), lamentou que o crime tivesse ocorrido num ponto turístico de Nova York. “Em qualquer outro lugar teria sido ruim”, disse ele, “Mas no Central Park foi pior. Foi o crime do século.” Ele se referia ao fato de que os supostos estupradores eram negros, latinos e mulatos, e a vítima uma mulher branca – o que potencializava a tensão racial em NY.

Análises mostraram que o cabelo e sêmen encontrados no corpo da mulher pertenciam a um só homem, e o teste de DNA deu negativo para os cinco detidos. Mas a Promotora Chefe de Investigação sustentava que havia um sexto criminoso e que os meninos eram co-participantes.

Uma série de estupros aterrorizava o norte de Manhattan na época e, ainda em 1989, Matias Reyes foi preso. Investigado pelos mesmos detetives encarregados do caso da corredora, não ocorreu à polícia comparar seu DNA com o material biológico encontrado na moça estuprada no Central Park.

Em 2002, treze anos depois, Reyes, um homem branco, confessou também esse crime, reiterando que o cometera sozinho. Só então Wise, que ainda estava preso, foi posto em liberdade (os outros quatro estavam em liberdade condicional).

Os cinco rapazes processaram o Estado de NY em U$ 250 milhões de dólares. Em 2012, Bill de Blasio, na época defensor público da cidade de Nova York,  fechou um acordo de U$ 1 milhão por ano de prisão para cada um dos envolvidos – uma soma de mais ou menos U$ 41 milhões.

Eles seguem suas vidas, tentando superar e assimilar esse passado absurdo. Provavelmente, nunca serão capazes de entender porque foram postos nessa cena aterrorizante.

Débora Böttcher
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Débora Böttcher

Débora Böttcher

Formada em Letras, com especialização em Literatura Infantil e Produção de Textos. Participou do livro de coletâneas "Acaba Não, Mundo", do site "Crônica do Dia", onde escreveu por 10 anos. Publicou artigos em vários jornais. Trabalha com arte visual/mídias. Administra esse portal - que é uma junção dos sites Babel Cultural, Dieta com Sabor, Hiperbreves, Papo de Letras e Falas Contadas.