REFLEXÃ0

O NATAL? É PRECISO REINVENTÁ-LO

Diante de um presépio ainda seremos capazes de alguma emoção?

É comum que nessa época do ano fiquemos cheios de reflexões (na verdade, inúteis) sobre o verdadeiro significado do natal, não é? Alguns ainda parecem acreditar que existe alguma emoção ou sentimento mais doce apenas porque é natal; outros criticam o consumismo exagerado e dizem que o espírito do natal se perdeu para sempre e que tudo isso é somente um teatro hipócrita que encenamos e existem ainda aqueles que não estão nem aí para nada disso e que vivem qualquer tempo sem refletir sobre o que quer que seja.

Talvez estes é que estejam certos… Talvez.

Mas, tentando _ apesar disso_ escrever algo sobre o natal e os sentimentos contraditórios que esse tempo suscita fiquei pensando que talvez seja preciso sim, reinventar o natal ou o que sobrou dele e penso que talvez esse sentimento ainda resista nos restos de afeto que talvez consigamos sentir por aquele irmão difícil, aquela irmã distante;  aquele amigo tão ‘amigo’ que se foi e nem disse ‘tchau’ apesar das nossas tentativas anteriores de reerguer a amizade.

Pois é, mas como faremos isso? De que forma  criaremos essa ‘utopia sentimentalista’  em meio às centenas de apelos puramente comerciais para que compremos/parcelemos/dividamos em mil vezes e etc. toda a ‘tralha’, enfim,  que transformou o natal somente em tempo de se vender produtos e presentear fulano ou sicrano e beltrana?

Diante de um presépio ainda seremos capazes de alguma emoção?

Diante de um presépio ainda seremos capazes de alguma emoção?

A ‘culpa’ é do capitalismo?

Ora, mais isso  como dizem ‘faz parte’; vivemos no capitalismo e é preciso vender e comprar e lucrar e gerar mais possibilidades de venda/compra/lucro até não sei quando, além disso, empregos são gerados e pais e mães e filhos e todos nós, precisamos sim, que essa máquina permaneça funcionando e funcionando… Não vou, portanto, criticar o capitalismo porque ele tem lá suas qualidades apesar de seus muitos e aparentes defeitos.

Por outro lado sou obrigada a observar que a ânsia capitalista que trouxe algumas melhorias também acabou por destruir sim, aquilo que dizem se chamar ‘o espírito do natal’. Talvez algo desse espírito tenha resistido até meados dos anos 80 naqueles natais simplórios nos quais trocávamos presentes mas sabíamos que o mais importante não era aquilo e sim, algo que existia além daquilo. Algo invisível e pungente; um mistério ou um sentimento tão intenso e especial e verdadeiro que nos deixava felizes e animados apenas ao pensar que ele – o natal, ou o seu ‘espírito’  –  estava chegando…

Andarmos oprimidos e apressados com nossas sacolas transbordantes... Seria é isso o 'natal'?

Andarmos oprimidos e apressados com nossas sacolas transbordantes… Seria  isso o ‘natal’?

Naquele tempo eu era criança ou adolescente em formação e nossos natais interioranos eram tão, mas tão simples, que ganhar presentes, por exemplo, era uma coisa realmente importante, especial, única e emocionante.

Aqueles natais em meio ao barro dos quintais encharcados de água das chuvas incessantes de dezembro; quintais que cheiravam a mangas e a outros aromas  de frutos e flores do cerrado (frutas como jambos e ingás)  que tornavam o ar adocicado e fresco; natais em que fazíamos teatros nas ruas e novenas de natal em casas tão simples como manjedouras. Pois, não havia os brilhos ilusórios de brinquedos caros nem a propaganda incessante implorando que se comprasse/parcelasse isso e aquilo; mas havia o desejo de viver aquilo lá mesmo que tínhamos e que, embora fosse pouco, nos deixava em estado de   contentamento quase palpável.

Mas esse texto não é para ‘dizer’ que natais bons eram aqueles antigos e distantes e encharcados de chuva… Não. É somente para lembrar que era isso o que tínhamos e havia felicidade nisso, não sei de que forma havia porque muitos de nós sequer ganhavam presentes, mas ainda assim, estavam alegres e não se preocupavam com isso. Talvez o tal ‘espírito’ de natal cintilasse acima de nossas cabeças de meninos e meninas do interior como a nos confortar e a nos lembrar que presentes caros não representariam o natal.

O natal verdadeiro

Hoje vendo as propagandas insistentes  que se multiplicam em todo canto  e transformaram o este tempo somente e unicamente  em ‘tempo de compras e de troca de presentes’, fico pensando o que muitos devem pensar: que a essência do natal não está em nada, nada disso…

Troquemos presentes sim; compremos e alimentemos a máquina capitalista porque dependemos dela; é hipocrisia não admitir isso; mas é preciso também que a gente se esforce por reinventar o natal, por resgatar de algum modo, os restos de afeto por aquela pessoa que estamos presenteando, de verdade; que nosso coração seja impulsionado por esse afeto, de verdade.

Isso pode parecer piegas, jocoso, antiquado, bobo, inútil (e outras qualidades menos nobres e/ou politicamente corretas) mas penso que todos esses ‘pecados’ se aplicam sim,  às muitas tralhas mercadológicas/marqueteiras que transformaram o natal ‘pós-moderno’ em um tempo em que as pessoas (ou a maioria delas) pensam em natal apenas como tempo de ‘dar e ganhar presentes’, nos  chatíssimos ‘amigos ocultos’ e por aí afora.

Ah, e natal também não é só para enfeitar a casa e se empanturrar de comida, ok?

Na verdade, eu também nem sei mais o que é natal _ alguém sabe? _  se ainda resiste sobre os tantos desvarios humanos, se é possível  encontrá-lo sob as ruínas que vão ficando aí pelo caminho do ano que finda, mas para além de debates inúteis que vão esbarrar (por exemplo) em questões religiosas e rasas… Para além de tudo isso digo que seria bom se aquele natal antigo, encharcado de chuva e rescendendo a mangas e frutos verdes, voltasse.

Ainda que fosse sonho.

Ana Claudia Vargas
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