Escolhido para representar a França no Oscar/2016 na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, Mustang (título que, certamente, faz referência aos cavalos desta raça – sinônimo de beleza e liberdade – e é usado como uma metáfora à adolescência), foi traduzido no Brasil para “Cinco Graças” (!?) e conta a história de cinco irmãs órfãs criadas pela avó, numa aldeia perdida na Turquia.
O filme se inicia com Lale – a mais jovem e a que relata a saga – e suas quatro irmãs despedindo-se de uma professora que partia para Istambul; no caminho para casa, as meninas brincam com os rapazes do vilarejo nas águas do mar – o que desencadeia um escândalo que virá a ter consequências disparatadas: a casa onde vivem converte-se progressivamente numa prisão, as aulas práticas de donas de casa substituem a escola e os casamentos precoces começam a ser tratados. Humilhações como ‘certificado de virgindade’ e o assédio do tio (que é quem institui essa realidade patética), também passam a fazer parte do cotidiano – em especial das três mais velhas.
Numa cultura onde a liberdade é quase totalmente restrita e o poder de escolha bastante reprimido, as meninas tentam alterar os limites que lhes foram impostos – sem muito sucesso, apesar dos esforços ocasionais da avó e das tias.
As consequências dessa conjuntura vão de tentativas de fuga e infelicidade completa – para as que não conseguem evitar o casamento forçado (apesar de uma delas unir-se ao antigo namorado), até soluções mais drásticas.
O roteiro, que consegue ser denso e terno na mesma proporção, e o texto – uma parceria entre a diretora Deniz Gamze Ergüven (uma jovem turca que estudou na França) e a roteirista francesa Alice Winocour -, se diferencia não apenas pelo vigor da história, mas especialmente pela forma como é contada: em Mustang, estamos diante da pior maneira de se perder a inocência, mas também do surgimento de um tipo de esperança que estimula reações a não aceitar um destino que parece iminente e imutável.
O cinema, mais uma vez, se abre à proposta que incita ao debate sobre as culturas extremistas, que segrega e subjuga grupos – nesse caso, o das mulheres. A pergunta que me faço é até onde as tradições tem que ser respeitadas quando violam tão drasticamente a autonomia. Num mundo cada vez mais globalizado, onde a liberdade tem sido considerada uma prerrogativa inalienável, uma sociedade que se comporta assim é uma fenda gigantesca, uma fratura sem precedente na conquista de direitos.
Não é possível conceber um mundo – ou um lugar dele – onde não se possa sonhar e decidir sobre a própria vida – e não é preciso levantar uma bandeira feminista para se indignar, basta apenas colocar-se no lugar de quem tem como regra o cerceamento.
Mustang é um filme duro sobre esse universo que, para nós ocidentais, parece apenas um cenário inventado. Entretanto, ele nos escancara uma realidade que, sob qualquer prisma, é completamente absurda.
Não deixe de ver.
Assista também O Quarto de Jack, a comovente história de uma jovem mulher mantida em cativeiro junto a seu filho durante vários anos – filme que deu o Oscar/2016 de melhor atriz a Brie Larson.
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