FALAS CONTADAS

MULHER: IDENTIDADE CULTURAL OU PESSOAL?

Tento reconstruir, mentalmente, a repercussão  e importância para a época do que afirmou de Simone de Beauvoir (1908-1986), na Paris de 1946:

“On ne naît femme, on le devient.”
[“Não se nasce mulher,  a pessoa se torna mulher.”]

Obviamente, esta é uma questão que já comporta outras, anteriores, e que desencadeia uma ‘passagem de nível’ na reflexão em torno desse mesmo tema.

Para determinar de imediato o ponto de vista a partir do qual observo a questão,  há exatos 70 anos depois, devo logo dizer que  nunca esse tema foi  tratado de forma simples, exata, ou conclusiva.

A principal razão é porque a mulher *não é o contrário do homem” como se acreditou, se julgou e se cobrou, em longo tempo da história da humanidade.

Beauvoir é de uma precisão invejável  também  por  fazer o deslocamento da questão para aquilo que  viria – com mais força – depois dela – na verdade, até hoje, há uma forte corrente que advoga a identidade quase “sagrada” do feminino.

Camisa de força, mulheres são elogiadas por serem boas parideiras, mas sua vida sexual é motivo de julgamento. É a sociedade em que vive que define a sua forma de ser e de se conduzir. Ao longo do tempo foi (e ainda é) tratada, considerada, respeitada, exigida como tal, de acordo com o estágio avançado ou não da cultura e da civilização – diga-semasculina”  – da época em que vive.

O filamento da questão que eu gostaria de  abordar e convidar a todos para uma reflexão, é exatamente este: o que torna a mulher, uma mulher? É  ela o macho sem o pênis? São os castrados (*)?  As “freiras” ou “santas”?

O que faz a diferença entre  o menino e a menina é sem dúvida a constatação de uma “diferença física”. Anatômica.  Mas o que transforma em  *qualitativa* essa diferença? O que faz com que homens e mulheres sejam tão estranhos (ou diferentes) e ainda assim, em supreendente relação uns com os outros. * Outros?

E o que queremos aqui é justamente discutir isso: qual a essência do “ser feminino”.

Podemos, com justeza, dizer que só somos mulheres porque agimos como tal e – infelizmente – ainda lutamos para sê-lo.

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Não posso aprofundar esse texto (em termos de espaço e quantidade/qualidade)  apenas posso indicar (e quem sabe, denunciar, ou trazer para um lugar mais relevante), alguns dos “mitos”,  que fervilham nessa zona de clivagem, de diferenciação, enganos, “engodos”,  e imposições sobre o que é ser mulher, a saber:

1- “A Mulher é  sublime porque ela é Mãe” (e se não é mãe não é nem sublime e… nem mulher), para os espectadores que menciono acima. Ou seja,  a sociedade em que se vive e o estágio cultural da civilização.

2- Se você não pariu (este é um verbo muito delicado) uma criança, então, em algum momento você ouvirá de alguém ou saberá que seu amor é nada, pois … “só pode saber tal coisa, se for mãe”. Ou ainda, “Ser mãe não para é qualquer uma …”  Só quem é *mãe* sabe…

Essa é uma das mais cruéis,  mesquinhas e rasteiras afirmações  que conheço. E isso é, muitas vezes, dito por homens e… mulheres!

Ah! Sim, Simone de Beauvoir não teve filhos. Não ‘desdobrou fibra por fibra o coração‘, mas a cada momento em que uma mulher se impõe, conquista, vence, apreende para si algo que pode usar em favor de todos, qualquer coisa que requeira sensibilidade objetiva, a força sutil da subjetividade, e  sobretudo, inteligência, força (sim, força) e sabedoria em usar sua fala… estará ‘perfilhando’’ outras. E outros. Sendo mãe. Sendo pessoa e sendo mulher.


Maria Elisa Guimarães
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Maria Elisa Guimarães

Maria Elisa Guimarães

Apenas Meg, do sexo feminino e da “raça humana, espero”(© Bertrand Russel) e não possuo nenhuma qualidade especial como o personagem do escritor ©Robert Musil. Louca por cinema e música popular, principalmente as do início do século passado. Professora de Filosofia e Ética, especialização em Filosofia da Ciência. Crítica literária. Vivo em Belém do Pará.

In memorian *13.05.2021