Se ela um dia pensou em ter filhos, aos trinta e cinco anos a decisão de não tê-los era sua mais latente certeza. Por isso, quando se viu grávida de gêmeos e chorou compulsivamente diante do médico, não conseguiu decifrar o sentimento: um misto de desespero e inquietação a tomou e ela não soube o que fazer com a culpa. O marido também não teve reação diferente – só não chorou. Demorou a assimilar,e o silêncio que se abateu entre eles, durante o jantar, abriu um abismo sem fim. O resto da noite não foi melhor: cada um dormiu num canto da casa insone, todos os abajures acesos, meia luz impedindo qualquer embate. Os dias seguintes seguiram sem entusiasmo, assim como os meses. Mas entre um ultrassom e outro, um olhar e um gesto, ficou pronto o quarto das meninas – Clara e Vitória – e todo o enxoval salmão e amarelo. Mas a alegria mesmo só chegou no momento do parto: ambos soluçaram quando as pequenas pousaram em seus braços e, dessa vez, o silêncio tinha outro significado.
| Débora Böttcher |
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