Branca de Neve é moça triste, embora das mais bonitas. Eu a conheço desde criança. Somos vizinhas de porta.
Solitária, ela recolhe e lava, três vezes ao dia, sete pratos sujos, oito com o dela. Enquanto faxina seu lar, é observada por cada um dos velhos retratos pendurados no corredor. É sua própria dinastia, convencendo-a a manter tudo como está. Obediente à genealogia, ele segue aprumando a rotina conforme ensinamentos ancestrais.
Acontece que Branca de Neve, especializada em doçuras e gentilezas, também assiste TV, também está no Facebook. Mas ela não vai às ruas protestar. Seu manifesto é doméstico, silencioso, e se dá na longa avenida que vai da área de serviço ao quarto de dormir e amar.
Ao ver a turba em passeata pelo país, acreditou que ela também poderia ser indignada e ruidosa. Contra o quê marcharia, afinal? Não aprendera a saber. Pensou, pensou, pensou. E decidiu.
A partir de sempre, Branca de Neve não aceita mais convites para encenar qualquer fábula. Abandona de vez a mornidão e recusa alegrias anãs. Espelhos respondões, caçadores bondosos, amores súbitos? Não. Nesse conto ela não cai mais.
Amanheceu e ela se foi. Deixou sete camas por fazer, oito com a dela. Largou para trás a floresta densa dos seus pensamentos e foi ter com sua algoz, a Rainha Má. Encarou-a e, no desvario seu, decretou seu estado particular de urgência. Agora é ela quem envenena as maçãs: “Aceita uma?”
Não passou na TV, ninguém pôs no Twitter. Porém, diferente do que propõe a tradição da natureza, Branca de Neve acordara de seu sono profundo, sua hibernação social, em pleno início de inverno. Sem ajuda divina, nem beijo real.
Findas as maçãs, eis a nova estação. Agora, é Branca de Neve nos campos de morango – para sempre.
- ALLAH-LA-Ô - 08/02/2024
- FELIZ NATAL - 23/12/2023
- PARA QUEM NÃO ACREDITA EM PAPAI NOEL - 05/12/2023