A semana três do isolamento social não começou bem. Deu desânimo quando logo pela manhã, na segunda-feira, circulava na imprensa a demissão do Ministro da Saúde.
Claro que sei que ele não está ali por acaso ou descuido: pra ser desse Governo, certamente tem que ter algum alinhamento. Não estou iludida: sei que ele votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff e ainda sempre foi contra o Sistema Único de Saúde e o Mais Médicos. Há, portanto, uma certa ironia em vê-lo cativo num colete cínico com tarja do SUS.
Mas não temos outra opção senão curvar-se a ele – que, pelo menos, bateu o pé e não se rendeu totalmente às sandices de um Presidente insano. Enquanto a pandemia nos assola, Mandetta é o que nos resta.
* * *
Posto isto, seguimos com a programação normal, um novo tipo de cotidiano que vai se instalando pelas brechas, nos distanciando de nossas antigas rotinas e impondo à vida um ritmo desconhecido ao qual vagarosamente vamos nos adaptando: o tempo todo em casa, saídas únicas uma vez por semana (mercado, farmácia, hortifruti). Tem bastante gente nas ruas. Segundo o mapa de monitoramento via celular dessa região metropolitana, 45% da população está ignorando solenemente o surto viral epidêmico.
Pergunto-me que hábitos ficarão desses tempos. A mania de lavar as mãos, frutas e legumes ensaboados, sapatos do lado de fora da porta, mais leitura, menos celular? Daremos mais valor aos encontros e abraços? Aprenderemos um novo tipo de consumo? O Socialismo se imporá ao Capitalismo? Ou esqueceremos esses dias, como se pertencessem a uma realidade paralela?
Quando ouço as estatísticas, penso que é disso que eu gostaria: que fosse tudo um pesadelo do qual vamos acordar de repente – suados, assustados, atordoados… mas ilesos. Tudo no mesmo lugar: 2020 marcado apenas como o último ano da década.
Nesse momento me vem à mente a noite do Réveillon, os fogos da Paulista pipocando uma esperança de tempos mais amenos – apesar desse governo desastroso. Ninguém imaginaria algo pior do que isso…
* * *
A terceira semana se impõe pesada e cansativa – continuamos trabalhando bastante, mas não é a isso que me refiro (trabalhar, ainda mais nesses tempos, é um alento). Eu falo dos intervalos, do ar suspenso e silencioso, de quando a noite chega, da hora cinco do dia quando se despejam sobre nós os números da tragédia que é o atual manto do mundo.
Uma impaciência velada se instala, um pouco de tédio: depois de maratonar La Casa de Papel e aguardar toda terça por um novo episódio de Um Milhão de Pequenas Coisas, vou me dedicar à última temporada de A Casa das Flores, a série mexicana cujo surrealismo explica meu amor por Frida Kahlo. Distração é o que precisamos – embora minha disposição para TV não seja muito entusiasmada. Seja como for, antes de tudo ficar insuportável – como parece ser inevitável -, que ao menos a ficção e o humor negro nos salve de uma melancolia letal.
Perto de nós pessoas começam a morrer – o amigo de um filho, a sogra de um vizinho, a amiga de um sobrinho, a irmã de um cliente, o amigo de uma amiga. Gente abaixo dos cinquenta, não muito acima dos 60, fora do grupo de risco. Na TV as notícias reiteram: os mortos se somam sem parar.
Mas teve panelaço de novo durante a fala obtusa do Presidente. Isso me anima um pouco.
- “ALIKE” – PARA QUE EDUCAMOS AS CRIANÇAS? - 22/05/2024
- UM ANO SEM LUNA - 15/05/2024
- A “ONDA” DA COMUNICAÇÃO INTUITIVA - 01/05/2024