Faz uma semana que não saio de casa – a última vez, foi na quarta passada.
Moramos na chamada área metropolitana de São Paulo, às margens da Rodovia, no meio do caminho entre a Capital e a cidade de Cotia.
Por aqui, naqueles dias, não houve nenhuma correria aos supermercados; a quantidade de gente nas ruas parecia menor, mas não se podia dizer que era pequena. Conversei vagamente com dois funcionários – um do mercado e um do hortifruti onde estivemos: eles disseram não estar com medo – é ‘doença de rico’ (mesma opinião do jardineiro e do porteiro do condomínio onde moramos). Isso me pareceu preocupante – pessoas que pensam assim não estão tomando nenhum cuidado…
Eu já estava (e continuo) com um resfriado leve, sem febre – só um pouco de coriza e eventualmente dor de garganta, de cabeça e tosse. Mas esse é basicamente meu estado normal – tenho faringite crônica, dor de cabeça pontual e uma rouquidão que ninguém sabe de onde vem há dois anos.
Há uma semana, não estávamos em pânico.
* * *
Não tenho problemas em ficar em casa – eu sou caseira. Também gosto do silêncio que se instalou ao redor. No condomínio, as áreas coletivas – piscina, parquinho, academia, salão de festas, jogos, etc – estão interditadas. Quase ninguém sai pelas ruas internas – um ou outro vizinho dá uma voltinha com seus cachorros. Nós temos duas labradoras – ambas adoram passear, mas não são hiperativas. De vez em quando, meu marido brinca com elas na garagem da frente, jogando bolinhas de tênis: é suficiente. Cães querem mesmo é ficar junto da gente…
No meio desse caos, a estação mais bonita do ano deu as caras: o Outono, com seus dias de vento e sol, espalha um ar poético a isso tudo. Penso na natureza – florestas inteiras que descansam com seus ‘pulmões’ plenos -, respirando tranquila, enquanto uma imensa quantidade de humanos luta por um pouco de oxigênio. Vi uma foto da China com o céu inacreditavelmente azul: pararam as fábricas.
Eu não sou rica; então enquanto o mundo parece olhar incrédulo mais para a queda da Bolsa e o valor do Dólar do que para os mais de 400.000 infectados e 18.000 mortos (enquanto escrevo), penso: eu ou alguém da minha família podemos morrer dessa praga. Minha mãe, que mora no interior e, como a maioria das mães, é do grupo de risco. Meu marido também. Meu irmão, que trabalha na Sadia – que ainda não dispensou vendedores (que trabalham… nas ruas (!!!)). Minha sobrinha que é enfermeira na Unicamp e está grávida de sete meses.
Mas meu ofício aumentou – com tanta gente em casa, projetos engavetados saltam para a realização. Isso acaba por me distrair da pandemia. Também não sou uma pessoa ansiosa – procuro viver sempre um dia de cada vez – e, até aqui, tenho dormido sem dificuldade ou sobressalto; mas penso em como será o mundo depois disso tudo. De vez em quando, talvez naqueles cinco minutos antes de adormecer, me pego espiando pelas brechas uma nesga de futuro, quando pudermos voltar a sair às ruas despreocupados, a rotina normal e comum de cada um: será que aprenderemos algo? Quem viver, será mais gentil, solidário e empático?
Uma coisa me incomoda: correntes religiosas, espíritas e afins, além dos áudios, que todo mundo sabe que é fake, mas segue espalhando – por causa da ‘bendita’ mania de acreditar em qualquer coisa. Eu sou ateia, duvido de tudo e acredito na Ciência. Pra não ser grosseira (se avisar que sou ateia, já se magoam), vou silenciando grupos e pessoas. Não tem outro jeito de seguir em paz…
* * *
Hoje, é o primeiro dia da quarentena oficial decretada pelo Governador de SP, João Dória, e justamente hoje uma nova realidade se impõe: nossas frutas e verduras acabaram e algumas poucas coisas começam a faltar no armário (talvez não tenhamos nos preparado o suficiente).
Os supermercados não estão de fato fazendo entregas – a demanda é muito grande, não tem o que informam no aplicativo, o prazo mínimo é de sete dias; uma vizinha passou pelo WhatsApp um panfleto de um pequeno hortifruti que separa os pedidos feitos – também pelo WhatsApp – e entrega ou se pode passar apenas para pagar e pegar. Vou ligar…
Enquanto isso, ocorre-me sobre a importância relativa de tudo, as um milhão de pequenas coisas tão simples que num repente se tornam complexas. Penso na morte espreitando tão de perto, enquanto a vida, esse sopro que pode acabar no instante seguinte, nesse momento me instiga a tomar decisões até outro dia cotidianas, agora urgentes, sobre o que vamos comer nos próximos dias (logo eu, que só penso sobre isso pouco tempo antes de qualquer refeição!) – mostrando que, definitivamente, está tudo de cabeça pra baixo…
- “ALIKE” – PARA QUE EDUCAMOS AS CRIANÇAS? - 22/05/2024
- UM ANO SEM LUNA - 15/05/2024
- A “ONDA” DA COMUNICAÇÃO INTUITIVA - 01/05/2024