Na infância, ela descobriu que chorar era algo que podia complicar tudo ao redor. Acordava assustada com os gritos dos pais na madrugada, copos, pratos e vasos se quebrando no impacto com o chão, paredes, móveis, e chorava. A mãe chamava pela Bá, a madrinha, e a soltava pela janela no quintal escuro, a noite imensa ao redor de sua pequenez, dizendo para ir. E ela ia: os passinhos incertos na escuridão gigante, os dedinhos pela parede guiando-se pela luz que se acendia de repente na casa da frente. E a Bá ao seu encontro: colo, cama e leite quentinhos, cantigas até ela adormecer. E entre encantamentos e delicadezas, as vozes distantes dos pais. Para não mais enfrentar escuridão e peregrinação noturnas, ela parou de chorar. E enquanto crescia, passou a chorar apenas quando o desespero lhe cavava um buraco sem fundo, muito sem fundo no fundo de sua conhecida amargura, chorando somente quando ninguém podia escutá-la. E quando aprendeu a chorar de alegria tinha trinta anos.
| Débora Böttcher |
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