CRÔNICAS FIM DE ANO Silmara Franco

EXERCÍCIO PARA 31/12

Imagem: Lisa Rupp
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Imagine que o último dia do ano virou o primeiro. E, um dia após o outro – ou um antes de outro –, você chegou ao último, que é o primeiro. Diz: daria ou não daria para fazer diferente? Vamos lá. Eu ajudo.

No dia primeiro de janeiro você achou que teria um ano comprido pela frente, sem mesmo conseguir vislumbrar o último dia dele, de tão distante que ele parecia. Você não caiu na arapuca de escrever uma lista imensa e inútil com grandes – e complicados – objetivos para o ano novo, mas mesmo assim se deu o direito de pensar como seria bom dar conta de realizar uma coisinha ou outra.

No dia trinta e um de dezembro você sabe, de cor, tudo o que viveu e principalmente do que não viveu durante o ano. Você não ganhou na Megasena, não atualizou o seu currículo, não foi ao teatro uma única vez, não usou aquela calça nova que ainda está no armário, com etiqueta e tudo, porque acha que não combina com nada.

Não abriu uma poupança para seu filho, nem fez o seu plano de previdência; não renovou suas lingeries, que só não estão mais esgarçadas que as suas toalhas de banho, não estreou o forno de pizza que custou uma fortuna – desalojou as azaleias do jardim; não foi ao dentista e não visitou seu padrinho que, pelo andar da carruagem, não estará aqui no ano que vem.

Resumo: tirando a Megasena, que não depende da sua vontade, você descobre que só pode ter passado o ano dormindo, para não ter feito nem um décimo das coisas simples – de novo: simples – que foram surgindo na sua agenda mental, dia após dia.

É aí que entra o exercício. Diferente de uma simples retrospectiva, que só relata os fatos, o negócio é repassar o ano, tentando descobrir onde foi que as coisas empacaram. Vistas assim, da perspectiva do depois para o antes, o resultado é assombroso: praticamente nenhuma justificativa pára em pé. Isso se existir alguma.

Você está com sorte: ainda tem quatro dias. É como se fosse dois de janeiro. Dá tempo de você se pegar no pulo o ano inteiro.

Silmara Franco
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Silmara Franco

Silmara Franco

Paulistana da Móoca, onde viveu por mais de três décadas. É publicitária por formação e escritora por salvação. Mora em Campinas (SP) com a família e a gataiada. Autora de "Navegando em mares conhecidos – como usar a internet a seu favor" e livro finalista do Prêmio Jabuti 2017, "Você Precisa de Quê?". Dona do blog Fio da Meada.