Lançado em 2015, o filme alemão Ele Está de Volta tenta mostrar de forma engraçada como um Hitler seria recebido pela sociedade no século XXI.
Na versão cinematográfica, o resultado é surpreendente – e o que é pra ser uma comédia, toma proporções bastante dramáticas (e piora quando se pensa exatamente na situação atual do Brasil).
Quando assisti, logo depois do lançamento – e sem o peso dos tempos atuais -, já fiquei impressionada. As falas jocosas de um ditador caricaturado – e sempre com duplo sentido -, é o que pode remeter ao risível. Mas o fato é que, como estamos vivenciando atualmente, o discurso de radicalismo encontra eco, mesmo que inicialmente a gente o ache uma piada.
Combinando ficção e documentário, para rodar o filme o desconhecido ator Oliver Masucci fez uma turnê pela Alemanha caracterizado como Hitler, se infiltrando em situações banais do cotidiano alemão em ruas, praças, supermercados e parques de diversão.
Surpreendidos com uma réplica perfeita de Hitler em seu quepe e uniforme, a maioria tirava selfies com o ditador, e clamando por alguém que ‘fizesse a coisa certa’, confessavam sua preocupação com estrangeiros e refugiados que, para eles, estariam destruindo o País – em 300 horas de gravação somente duas pessoas reagiram negativamente, segundo o cineasta David Wnendt.
Recebido como um comediante que não consegue sair do papel, com frases e tiradas que se transformam em vídeos no YouTube, memes em redes sociais e links compartilhados, o suposto Hitler vira uma web-celebridade instantânea, e prepara planos para finalmente construir o Terceiro Reich através da melhor invenção que veio depois do cinema: a TV, a única novidade promissora – e como menciona, julga ter um “bom material de trabalho pela frente”: uma sociedade totalmente midiatizada e idiotizada, em que skinheads não passam de “fracotes” e cuja Direita nunca leu seu livro.
Para o historiador Michael Stürmer, Hitler foi subestimado: ele parecia ser uma caricatura de alguma coisa que existia antes dele e, por isso, não foi levado a sério – todos acreditavam que o frisson nazi iria passar. O resultado, como todos sabemos, foi a tragédia do holocausto, um dos maiores crimes contra a humanidade, arquitetado por uma mente insana e radical, que pretendia criar uma sociedade de raça pura.
Baseado no best-seller homônimo de Timur Vermes, a certa altura do filme Hitler sentencia: “Não podem se desfazer de mim, eu faço parte de todos vocês!”.
Primeiro pop star da cultura da celebridade produzida pela exposição repetida de personalidades à mídia (Goebbels, ministro da propaganda, dizia que uma mentira martelada diversas vezes se tornaria uma verdade), Hitler teve tantas versões no cinema – e na própria política -, que se o verdadeiro surgisse ninguém o reconheceria como o original.
Segundo o pesquisador brasileiro Wilson Ferreira, essa é a ironia de Ele Está de Volta: “A força do Hitler histórico estava no cinema, na forma como ele mesmo era uma alusão à má interpretação dramática dos filmes de Hollywood, uma personalidade tão icônica, que todos nas ruas se detinham para lhe dar atenção e manifestaram espontaneamente os Hitlers que moram dentro de cada um: raiva, ódio mas, principalmente, a busca de alguém que leve a culpa do seu próprio mal estar.”
Para o diretor David Wnendt, “foi notável a facilidade como pessoais comuns expressavam suas opiniões diante de um homem vestido de Hitler. O preocupante é que essas opiniões não partiam de neonazistas, mas de pessoas normais, de classe média. O povo está calado, mas com raiva. Frustrado com as condições de vida, como nos anos 30. Mas na época não havia um termo para isso – hoje chamado de analfabetismo político.”
E os diversos Hitlers que a História criou – e os que ainda serão criados – sempre se aproveitarão disso. Aos ignorantes, portanto, a safadeza da propaganda política e midiática – pela TV, Whatsapp ou redes sociais…
Não deixe de ver – já está disponível na Netflix (trailer com legenda em inglês)
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