Aos 46 anos, a publicitária e escritora Silmara Franco assumiu os cabelos grisalhos e criou o “Diário de um Cabelo Branco“, onde registrou a experiência sem qualquer constrangimento e com muito bom humor. Dois anos depois, ela se despediu da empreitada com o texto abaixo, uma reflexão sobre a liberdade e a opção de escolha que todas nós temos direito.
DIÁRIO DE UM CABELO BRANCO | 687o. DIA
Por Silmara Franco
Tá. Eu sei que falar de cabelo vermelho aqui não tem muito sentido. Mas me dá dois minutos, por favor?
Em fevereiro de 2013 libertei meus cabelos do cativeiro das tintas. Notara que havia certo tempo que eu os vinha tingindo por obrigação, não por diversão. E o exercício de tirar os cabelos brancos do armário, registrado neste diário por quase dois anos, é divertido, libertador e, para meu ligeiro espanto, inspirador para um bocado de mulheres.
Seiscentos e dois dias depois, em outubro de 2014, a missão – mostrar que os branquinhos são, sim, possíveis e bonitos – estava cumprida. E, lembrando a função primeira das tintas – diversão –, escrevi aqui a minha intenção de ficar ruiva por uns tempos. Por quê? Porque deu vontade, ué.
Perguntaram se abandonei os grisalhos, se desisti do “movimento”. A resposta: não e não. Serei, para sempre, uma mulher de cabelos brancos. Não saberia mais não sê-lo, eles estão aqui. Apenas os “vesti” com uma roupa diferente, vermelha. Amanhã, posso vesti-los de preto. Depois, castanho. Depois, azul. Verde. Roxo. Posso até deixá-los nus, brancos novamente. A paleta é infinita.E isso é o bacana da coisa: uma mulher pode ter os cabelos da cor que ela quiser. Todas afirmam fazer isso, aliás. Mas preste atenção: muitas vezes, uma mulher acredita que está exercendo sua própria vontade, ao decidir tingir os cabelos. “Tinjo porque gosto”, ela dirá. Repare, porém: nem sempre é sua vontade genuína que prevalece; é a vontade sutil de um terceiro (amiga, namorado/a, marido, filho, filha) que está no comando.
A vontade invisível, e nem por isso menos presente, de uma sociedade inteira que espera dessa mulher que ela cubra os fios brancos tão logo eles deem as caras, especialmente se ela for jovem. Funciona como uma espécie de ordem social subliminar. E que a maioria das mulheres cumpre, sem perceber. Porque, pela lógica que envolve essa ordem, fios brancos femininos não estão autorizados a aparecer e devem ser escondidos, camuflados, disfarçados, anulados. E que a desobediência é danosa à feminilidade, dissonante da beleza, praticamente uma sentença de invalidez.
Seiscentos e oitenta e sete dias depois, cá estou. Avermelhada. E feliz, até a próxima vontade. Simples assim. Simply red.
Obrigada pelos dois minutos.
Assista também à entrevista que Silmara Franco deu para a para o Portal Nova Cara da 3ª Idade
Silmara Franco é paulistana – agora campineira. Nasceu em 1967 no bairro da Mooca, onde viveu por mais de três décadas. É publicitária – agora blogueira e escritora. Autora de Fio da Meada (blog de crônicas) e do livro “Navegando em Mares Conhecidos – como usar a internet a seu favor” (Editora Moderna). Suas crônicas em Estilo 40 são publicadas aos Domingos.
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