CRÔNICAS

CARTA ABERTA PARA MEU PAI

Pai,

Você sabe que não acredito em vida pós-morte – aliás, tenho me tornado uma pessoa que, cada vez mais, duvida de tudo; mas hoje queria fazer de conta que você pode me ler.

Esse quatro de julho soma 22 anos desde que sua vida se estancou. Naquele sábado de céu aberto e azul, vento e sol – aqueles dias em que parece impossível algo ruim acontecer -, acabaram suas dores. A minha explodiu. Não foi surpresa, mas quando aconteceu foi difícil – sempre é…

A vida seguiu e o tempo tratou de amenizar sua ausência. Mas exatamente há uma semana seu neto mais velho revisitou sua “morada” – e isso não foi fácil: o que aconteceu no nosso núcleo familiar trouxe pra mim uma tristeza só semelhante à sua morte.

Não vou entrar em detalhes, pai, porque nessa minha momentânea ilusão você já sabe de tudo. E eu sei que você ficou bem triste também – eu lembro da sua tristeza calada quando morreu sua mãe. Imagina então encarar a morte de um bisneto… Nem consigo pensar nisso sem uma angústia no peito… Quem esperaria por isso… Quem imaginaria uma dor desse tamanho para o seu neto querido, para o seu filho – todos nós, pai, sofremos demais.

Mas não fosse tudo tão triste, daqui dessa realidade dura, eu diria que Leonardo está em ótima companhia.

No tempo que te coube, você foi um avô divertido e companheiro – eu lembro bem de você com as crianças na casa deles, na sua, no Clube -, e eu tenho certeza que você seria ainda mais amoroso com o Léo – e a Lara, pai… Você tem também uma bisneta, você sabe… Ela é linda – tão linda quanto sua neta sempre foi. Os últimos dias, pai, foram de alegria e pesar bem intensos…


Arquivo pessoal

Arquivo pessoal


Na roda da vida, essa metralhadora aleatória de acasos é uma roleta russa cotidiana: quem consegue sobreviver – ainda mais nesses tempos de pandemia -, tem que lidar com todo tipo de destino: não tem exceção, não importa a  fé, a vida é implacável.

Bom é que tudo passa. Ficam as cicatrizes, mas a vida se refaz e segue. Ainda bem, pai. Acho que você ficaria orgulhoso de tudo – porque, apesar de tudo, estamos todos bem.

Eu teria muita coisa pra contar, mas não quero me alongar mais; vou terminar desejando que você e o Léo brinquem pelas nuvens, divirtam-se nos campos dourados do universo, e depois descansem – em paz, pai. Sinto saudade dos anos que não tivemos juntos. Sinto saudades de tudo… Se eu estiver errada, quem sabe um dia a gente ainda se vê de novo…

Débora Böttcher
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Débora Böttcher

Débora Böttcher

Formada em Letras, com especialização em Literatura Infantil e Produção de Textos. Participou do livro de coletâneas "Acaba Não, Mundo", do site "Crônica do Dia", onde escreveu por 10 anos. Publicou artigos em vários jornais. Trabalha com arte visual/mídias. Administra esse portal - que é uma junção dos sites Babel Cultural, Dieta com Sabor, Hiperbreves, Papo de Letras e Falas Contadas.