Ainda tenho guardada uma carta muito comovente que escrevi aos nove anos. O destinatário era Júpiter. Ele mesmo. O planeta. Na pretensiosa missiva eu me dizia preocupada com a situação de Júpiter, que havia sido atingido por um asteroide ou algo do gênero naqueles dias. Como grande fã (?) do planeta, eu enviava as melhores vibrações, meus votos de uma boa recuperação e me mostrava otimista, afinal, eu havia aprendido na aula de ciências que Júpiter era o maior planeta do sistema solar e, portanto, embora preocupada, eu sabia que ele tiraria aquilo de letra.
Eu nem sei exatamente qual era meu plano. Se eu acreditava na existência de alguma espécie de Correio interplanetário ou se eu achava que bastava colocar a carta na janela para que ela fosse resgatada por um enviado jupiteriano, tal como faziam os duendes na época do natal. Para falar a verdade, eu acho que eu não esperava nada. Não me lembro desse processo de tentar enviar a carta ou ansiar por resposta. Mas me lembro com muita clareza do momento em que a escrevi. Caprichei na letra e fiz até margem na folha (odiava fazer margem). Senti que precisava fazer aquilo, que Júpiter necessitava das minhas palavras de apoio para seguir em frente (vai ver necessitava mesmo pois, como sabemos, ele continua aí, orbitando firme e forte) e, o mais importante, eu queria fazer aquilo. E querer me bastava para fazer.
Tendo apenas agido pela minha genuína vontade de demonstrar afeto, não houve frustração. É o que acontece quando somos crianças e ainda conseguimos manter nossas ações livres do peso da expectativa. Depois a gente cresce e a involução parece sair do controle. Acredito que a primeira capacidade que a gente perde é a de viver o momento. Outro dia vi em algum livro/filme/série, não lembro bem (porque a perda de memória também faz parte do degradante processo), que “carpe diem” é coisa do passado. De um passado em que a expectativa de vida não passava dos cinquenta anos. Hoje a gente vive muito mais, então pensar no futuro é questão de sobrevivência. Tá certo. Concordo em ter uma poupancinha, contribuir com a previdência e ficar de olho no colesterol. Mas não se trata disso. Quantas coisas deixamos de fazer com medo do que vem depois? Quantas cartas deixamos de escrever para Júpiter hoje calculando a possibilidade de não receber uma resposta amanhã?
Aliás, calcular é palavra de ordem. Que se exploda a vontade de escrever uma carta (de ligar para uma pessoa, de se declarar, de largar o emprego, de pedir perdão). Se eu calculei e concluí que existe alguma possibilidade de não ter minhas expectativas supridas, melhor deixar pra lá. Fazer qualquer movimento sem criar qualquer expectativa é possibilidade remota. É inconsciente. Sutil. Às vezes só descobrimos que havíamos botado expectativa quando o retorno não vem e nos surpreendemos frustrados. De frustração em frustração, nos tornamos mais cautelosos. Não controlamos expectativa. Controlamos nossas atitudes. Não fazer nada é a melhor forma de se proteger. E talvez a melhor forma de chegar aos 102 anos de idade. E então, com a poupança gorda e o colesterol magro, morrer de tédio.
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