– Já tem cadastro com a gente?
Se respondo ‘sim’, a vendedora de piercing no nariz corre para o computador e pede meu nome. Sou pilhada na balela; não, não tenho o tal. Sou digna de outro, menos virtuoso: o cadastro dos mentirosos.
Se digo que não, ela tenta me convencer.
– Não quer fazer? É rapidinho.
Penso em recorrer ao ‘talvez’, a possibilidade intermediária universal. Ao menos, me daria alguns instantes para agarrar o que comprei e fugir. Cogito devolver na mesma moeda, pedindo que ela, vendedora, preencha um que venho elaborando há tempos: o cadastro nacional dos inconvenientes. Já tem quinhentos nomes, sabia? – eu lhe diria.
Querem meu e-mail e meu telefone em todo lugar onde compro algo, seja uma única caneta. Ou nem isso. Uma vez, rodei, rodei em uma loja, não comprei nada porque detestei tudo e, na saída, a mocinha do caixa – juro – me chamou e fez a proposta indecente. Mas minha filha… – ensaiei. Pior que isso, só quando perguntam se tenho o cartão da loja.
Vi-me obrigada a criar um e-mail alternativo (cuja senha já esqueci), só para deixar os vendedores contentes. Não quero receber as novidades da loja de edredons, nem da de materiais elétricos, tampouco do shopping inteiro. Eu mesma confiro as novidades, onde, se e quando quero. Não dou conta de ver os e-mails importantes que recebo, que dirá aquele com anúncio de cestas de Natal que podem ser adquiridas pelo PagSeguro em três vezes sem juros, uma maravilha. And so this is Christmas.
Cadastros – alguém precisa avisar o varejo – não conferem, por si só, poder mágico de aumentar as vendas, fidelizar clientes, salvar o mundo. É namoro condenado, onde um dos dois não quer. Casamento forçado. O assédio cadastral é um estupro comercial.
Tem uma loja, no entanto, que só vende com cadastro. Aí eu me rendo, porque é loja de café. Faço o cadastro, digo a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade. Forneço não só RG e CPF como comprovante de residência, atestado de bons antecedentes, histórico escolar, carteira de vacinação, tudo, tudinho que pedirem. Com dependência de cafeína não se brinca. (E não convém deixar Mr. Clooney chateado.)
Resolvido, enfim: à vendedora com piercing (que não é a do café) eu não respondo sim, nem não, nem talvez. Finjo-me surda. Não falha.
Sou contra cadastros. Tenho preconceito. Sou cadastrofóbica. Prendam-me por isso.
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