CRÔNICAS Silmara Franco

BUSCADORES DE LEMBRANÇAS

Atire a primeira pedra quem nunca procurou ex na internet. Seja solteira, casada ou tico-tico-no-fubá. Feliz no casamento, nem tanto ou nem um pouco. Por saudade, curiosidade ou falta do que fazer. De qualquer idade. O impulso é democrático.

Vamos combinar: isso não constitui traição. Não representa, necessariamente, recaída ou interesse num revival. Nem é prova incontestável de crise conjugal, existencial, ou as duas juntas. Psicólogos de plantão que me perdoem, mas o negócio pode – vejam bem, pode – ser mais simples: trata-se de querer saber por onde anda quem um dia andou com você. Descobrir se engordou. Se está grisalho. Saber onde está trabalhando, se casou, teve filhos. Se terminou aquele mestrado em Direito Penal ou abriu um boteco. Se é feliz, se virou monge, se está em expedição na Antártida ou se alugou um apartamento no seu bairro. Ou se sumiu do mapa e há dois anos não telefona nem para a mãe no Natal. Sem motivações rocambolescas e, uma vez saciada a curiosidade, retomar os afazeres sem maiores inquietações ou aflições.

Para dar conta da atualização afetiva, com ou sem segundas intenções, quem precisa de vidente se existem os buscadores, as redes sociais? Google, 123People, Instagram, Linked in, Twitter, Facebook, todos podem dar boas pistas em poucos segundos, uma proeza para qualquer esotérico profissional. Vale quase tudo na hora de sondar um paradeiro. Que mal há?

É preciso, porém, ter boa memória para fornecer primeiro nome, nome do meio e sobrenome, cuidado com os homônimos e paciência para varrer os resultados sugeridos – melhor incluir as aspas na pesquisa. Quem é tradicional recorre ao método antigo: liga para a amiga do primo da cunhada que trabalhava com o fulano, estabelecendo uma espécie de corrente investigativa. O sigilo, nesse caso, passa ao largo do absoluto. Não há política de privacidade e o ex vai ficar sabendo, o que pode ser boa ou má notícia, dependendo do passado – e presente – em questão.

Às vezes, nem se trata de um ex de verdade, como ex-marido, ex-noivo, ex-namorado. Somente um ex-quase. Ou sequer ter chegado a isso. O amor platônico da faculdade. O dono da academia de ginástica onde você queimou mais suspiros que calorias. O moço cheio de esperança que lhe entregou um cartão com nome e telefone numa livraria e você, boba, jogou fora. As histórias de amor que foram sem nunca terem sido. Por culpa do Cupido, que estava de folga no dia. Ninguém é de ferro. Para dar uma forcinha nos assuntos do coração na era da informação, Santo Antonio deve ter sido convidado a fazer parte do Conselho Executivo do Google. Será que ele topou?

Fazer essa busca na internet também pode ser tudinho que você está pensando. É parte de um plano de ataque, minuciosamente elaborado sabe-se lá por quais razões – afinal, ninguém tem nada com isso, exceto quem vai para escanteio logo, logo. Talvez, uma sessão nostalgia, com direito a imaginar o que teria acontecido, não fosse o adeus. O adeus de comum acordo. O adeus sem acordo. O adeus sem adeus. Para tal, as vantagens da internet são imbatíveis. Auto-serviço, razoável garantia de anonimato, flexibilidade de horário. E ainda é de graça. Pode-se apagar o histórico da fuçação no browser. Afinal, será difícil explicar depois que focinho de porco não é tomada. Na iminência do flagrante, alternar para a página previamente aberta de um jornal online e disfarçar – “Quem será que ganha no segundo turno, hein?” – é tão rápido quanto o piscar de um par de olhos ressabiados.

A internet, no entanto, não emite opinião. Não resolve angústias. Não faz terapia. Nem aconselha. No caso de se querer saber se o ex ainda sente alguma coisa por você, ou se vocês têm alguma chance, ela não serve. Aí, só a vidente. Porque nem o santo casamenteiro vai querer se meter nisso.


Silmara Franco
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Silmara Franco

Silmara Franco

Paulistana da Móoca, onde viveu por mais de três décadas. É publicitária por formação e escritora por salvação. Mora em Campinas (SP) com a família e a gataiada. Autora de "Navegando em mares conhecidos – como usar a internet a seu favor" e livro finalista do Prêmio Jabuti 2017, "Você Precisa de Quê?". Dona do blog Fio da Meada.