Durante as Oficinas, não raro o pânico se instala quando peço para que os integrantes escrevam um texto livre. Quando é estipulado um prazo, aí a coisa desanda de vez: normalmente, esse tempo é usado na tentativa de buscar um tema sobre o qual escrever ou ainda a respeito de algo que imaginam que eu quero que escrevam. O resultado é que não conseguem produzir nada.
É o bloqueio criativo se manifestando. E como se livrar daquela folha – ou tela – em branco à nossa frente?
Se pensarmos calmamente no mar de possibilidades que há para preenchê-la – nos inúmeros assuntos cotidianos, vivências, experiências, coisas que se viu, que se leu, que se gosta ou não, o que aconteceu ontem, a semana passada, há dez ou vinte anos, na infância – veremos que o leque é enorme. Então, porque isso acontece?
Primeiro é preciso ter em mente que todo mundo que escreve passa por isso – dos mais ilustres escritores até quem dedilha notinhas de rodapé. De repente, um ‘branco’: não se consegue encontrar um tema ou ainda iniciar ou continuar o tema escolhido. O ‘click’ não vem, as palavras somem.
Depois, entender que escrever envolve algumas habilidades – algumas objetivas e outras nem tanto – como ter o domínio da língua, de elementos narrativos – de tempo, espaço, construção de personagens, voz (se vai narrar, dissertar, descrever) -, capacidade de observação, percepção aguçada.
Ainda assim, com tudo isso na ponta da mente, pode acontecer de não se saber sobre o que escrever naquele momento.
Bem… A experiência mostrou que esse exercício gera melhor produção no final da Oficina, quando todos estão mais à vontade com a escrita. E, durante o percurso, algumas técnicas são trabalhadas com o propósito de que, ao chegarmos nessa etapa, a maioria consiga escrever sobre algo que não seja sugerido.
Uma delas é habituar-se a anotar ocorrências simples do dia a dia.
Eu costumo dar no primeiro dia da Oficina um caderninho pequeno, tipo um bloco – que cabe na bolsa, na mala da escola -, e tem o objetivo de servir para que anotem detalhes que depois possam vir a ser conteúdos trabalhados – para um conto, uma crônica, fragmentos de um romance, um texto para o blog.
Aliás, essa é outra dica: abra um blog. É fácil, rápido e gratuito. Você não precisa divulgar se não quiser, mas tenha seu espaço para treinar, trabalhando também o receio de expor seus escritos – muito comum.
Outra dica para quem é muito tecnológico, é ter um aplicativo no celular onde você possa gravar suas ideias. A escritora Rosa Montero, no livro “A Louca da Casa“ (que sugiro como leitura de apoio), nos conta:
“Já redigi inúmeros parágrafos, inúmeras páginas, incontáveis artigos enquanto passeio com meus cachorros. Na minha cabeça vou deslocando as vírgulas, trocando um verbo por outro, afinando um adjetivo. Muitas vezes, escrevo mentalmente a frase perfeita e, volta e meia, se não a anoto a tempo, ela me escapa da memória. Resmunguei e me desesperei muitíssimas vezes tentando recuperar aquelas palavras exatas que por um momento iluminaram o interior da minha cabeça e depois retornaram a mergulhar na escuridão.”
É isso: as palavras fogem. Muitas vezes, textos inteiros são escritos enquanto se dirige, toma banho, passeia pelo parque, aguarda um exame ou médico, naqueles quinze minutos antes de pegar no sono, na fila do supermercado. Portanto, é preciso anotar quando o pensamento vem – e cada um deve encontrar o melhor meio de ‘segurar’ suas ideias.
Mas quando você quiser escrever e não tiver nenhum ponto de partida, sabendo que ninguém produz nada do zero, pode lançar mão de algumas dicas:
– Lembre-se de que o mundo é uma fonte inesgotável de objeto de escrita, portanto, não se prenda ao seu universo particular: você pode sempre partir do que te ronda, mas amplie sua capacidade de criar, inventar, imaginar cenários fora do seu alcance. Desloque sua mente para outras situações.
– Peça um tema para alguém.
– Busque uma revista ou jornal – ou um portal virtual -, leia um artigo e desenvolva seus próprios argumentos sobre o tema. Esse, aliás, é um exercício que pode ser feito diariamente, durante uma semana, como um laboratório: todos os dias, escreva algo – um conto, microconto, uma crônica – com base no que você leu, desenvolvendo outros personagens, ampliando a história, inventando desfechos.
– Escreva sobre um filme que você viu – recente ou não. Escreva como se fosse para alguém que não o viu, recomendando-o ou não. Argumente, a favor ou contra, listando os tópicos que mais o instigaram na trama.
– Você também pode fazer isso com um livro.
– Também pode criar uma história nova a partir de um filme ou livro, mudando a trajetória dos personagens, inserindo novas situações, dando um final diferente. Numa variação dessa estratégia, tente transformar a história em um Hiperbreve – conto com até 1000 caracteres, em parágrafo único, escrito em terceira pessoa.
– Observe um quadro e escreva uma história sobre ele. Invente uma situação para o cenário, crie personagens ou apenas descreva o que você vê e como aquela imagem conversa com você.
– Há uma técnica, desenvolvida pelo escritor Leonardo Villa-Forte – batizada de MixLit –, que consiste em juntar dois temas distintos para gerar um novo texto. A proposta dele é fazer essa junção através de colagens – recortando trechos de dois textos, montando um terceiro. É uma tática muito usada na arte, quando se pretende ironizar um argumento (ilustração ao lado). Você pode usá-la literalmente, recortando frases de revistas, jornais ou livros de dois (ou mais) textos para reproduzir um artigo novo, colando os recortes numa terceira página, ou apenas replicando as frases.
Finalmente, considere que escrever é dialogar com sua mente, organizar o pensamento e traduzi-lo para o papel ou tela. É um exercício constante de prática, insistência e disciplina.
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