Vez ou outra a gente escuta dizer que alguém está vivendo um ano sabático e logo nos vem à mente que a pessoa largou tudo para mergulhar numa jornada de redescoberta e reinvenção.
No mundo judaico antigo, um de cada sete anos era destinado por lei ao repouso compulsório – após o que tinha início um novo ciclo de vida. Naquele tempo, o processo girava mais em torno da terra – que não podia ser cultivada, nem os frutos colhidos; as dívidas também eram extintas, os escravos libertados.
Na modernidade, não há regra para essa pausa e, normalmente, a decisão vem da perda do emprego, da morte de um ente querido, de uma necessidade de explorar-se internamente com mais intensidade. A ideia básica ainda é propor-se um hiato antes de uma nova etapa, mas o processo tem como meta cultivar o espírito para que algo novo floresça.
Quem se propõe a isso, costuma explicar que já não se continha de tanta angústia, esmagado por uma rotina sem sentido, prisioneiro de decisões com as quais parece não se identificar, exaustos ante a sensação de que os dias se repetem.
É aquele cansaço de sair da cama para executar trabalhos que não tem nada a ver com o que se esperava para si – mesmo que tenha sido a carreira escolhida inicialmente; é o mecanismo do hábito – que também são obrigações (e vão desde a levar as crianças à escola até fazer supermercado ou preparar o jantar); são as dezenas de pequenas coisas que a gente faz no piloto automático: elas vão minando nossa energia, nos dando a impressão de que estamos perdendo tempo com coisas que não gostamos de fazer, que a vida está passando e não estamos vivendo – essa última afirmação, aliás, não é verdadeira: mesmo que você esteja vivendo uma vida que não gosta, você a está vivendo (essa é a sua vida).
O ano sabático passa a ser um sonho. Mas será mesmo que ele é a solução para todo mundo?
Minha percepção diz que não. Primeiro porque conheço algumas pessoas que o vivenciaram e continuaram sem saber o que queriam e o que fazer consigo mesmas. Isso me leva à conclusão de que é preciso conscientizar-se de que nem tudo que serve para os outros é funcional para nós.
Depois porque ano sabático tem essa conotação de largar tudo, arrumar uma mochila e sair pelo mundo, quando pode ser apenas não fazer absolutamente nada, exatamente no lugar em que você está. Já pensou? Não tomar decisões, não ter obrigações, poder ficar sentado olhando o teto – sem pressa, sem alarde, sem movimento ao redor?
Mas é preciso saber que para converter um ano da sua vida em sabático, segurança financeira é primordial – porque, infelizmente, você pode colocar seus dias no modo off, mas as contas não pararão de chegar. Ano sabático também não é férias – é um percurso solitário e de desconexão com tudo que você vivencia no momento da decisão, que deve ser o ponto de partida para uma transformação pessoal.
Ou seja, demanda, antes de tudo, planejamento – o que pode até soar uma contradição, já que a ideia é livrar-se de tudo. A questão é que não há jeito de abandonar uma vida, sem programar-se para outra.
Aos 27 anos vivi um período sabático: larguei um bom emprego e fui morar no Rio de Janeiro. Meu pai estava doente, eu achava possível me distanciar da dor e tudo o que eu queria era ficar sentada na areia olhando o mar. Essa pausa me rendeu muito auto-conhecimento, mas é preciso saber que a realidade não deixa de existir e que, mais do que escapar, é imprescindível enfrentar a vida como ela é.
Hoje, o que faço quando o cansaço interior me assola, é tirar um dia sabático. Quando tudo parece girar, exaurir, irritar, e vem aquela vontade de sumir, eu paro de fazer tudo: entrego-me ao ócio e ao que me dá prazer – que pode ser dormir o dia todo, assistir a um jogo de Tênis na TV, ir ao cinema, ir à piscina, cuidar do jardim, ler aquele livro que descansa na cabeceira porque não tenho tempo, escrever aquele texto engavetado, sentar ao sol no gramado com minhas amadas labradoras, Maya e Luna, ver o tempo passar.
Porque não importa o tempo da intermitência – se um ano ou um dia; o que realmente nos ajuda a recarregar a bateria para prosseguir, é entender que a vida é uma trajetória fantástica da qual não podemos abrir mão nem um minuto.
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