CRÔNICAS Silmara Franco

A MULHER QUE NÃO SABE

Diz-se dos tipos de mulheres que existem. Mulher-isso, mulher-aquilo. Há tantos padrões como há de flor, passarinho, inseto. A tipagem é o forte da humanidade. De um, no entanto, não se fala ou lucubra, a despeito de sua maciça ocorrência. Senhoras e senhores, com vocês: a mulher-que-não-sabe. (Agora com hífens, a título de garantia.)

O objeto do seu não-saber é imprevisível, inexato, infinito. Contempla a vastidão do planeta yin.

A mulher-que-não-sabe passa os dias no passado e as noites no futuro; não lhe sobra nem meio-período para o presente. Está sempre a perguntar coisas ao espelho, mas não sobre sua suposta supremacia estética, que isso é lá com as bruxas más; ela prefere encher-lhe o pacová na tentativa de saber o dia dos acontecimentos aguardados ou até quando perdurará uma situação. O espelho finge que não é com ele.

A mulher-que-não-sabe desconfia do antibiótico e do GPS, mas crê no horóscopo e na escova progressiva. Salva seus filhos e, ao mesmo tempo, os condena ao limbo afetivo. Acha feio não chorar em enterros; bonito é o teatro do pêsame.

A mulher-que-não-sabe vive tendo alergia a tudo que a incomoda e se desentendendo com a alegria que a procura. Ignora que as duas são feitas das mesmas letras. Se entrega à tristeza e não percebe o quanto ela pode ser movediça. Vasculha em gavetas e armários, à procura de autofragmentos perdidos em cada um de seus aniversários.

A mulher-que-não-sabe deixa o arroz de festa queimar. Engoma camisas de força, inspeciona orelhas pueris. Acredita que o tempo é fugidio, mas o que lhe escapa, na verdade, é a coragem. Ela não sabe que coragem e tempo são casados desde sempre – e jamais tiveram amantes.

A mulher-que-não-sabe tem dificuldade para dizer ‘não’ quando deve dizer ‘sim’, e ‘sim’ onde caberia um ‘não’. Os opostos, geralmente, adoram bagunçar o seu coreto.

A mulher-que-não-sabe teima em combinar as cores das roupas, da casa e do batom, de acordo com a paleta limitada do seu olhar. Segue registrando a vida em frouxas escalas de preto e branco. E, assim, se vai no sumidouro do breve pixel…

A mulher-que-não-sabe nem imagina que suas neuroses – as leves, as moderadas e as terminais – são compartilhadas, ainda que secretamente, com todas as outras mulheres e, dentre essas, pasme!, também com as que sabem. A centelha divina da bendita ignorância abençoa todas.

A mulher-que-não-sabe é louca para deixar de sê-la. No fundo, sempre esteve grávida de sabedoria. Mas ela, claro, ainda não sabe disso.


Silmara Franco
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Silmara Franco

Silmara Franco

Paulistana da Móoca, onde viveu por mais de três décadas. É publicitária por formação e escritora por salvação. Mora em Campinas (SP) com a família e a gataiada. Autora de "Navegando em mares conhecidos – como usar a internet a seu favor" e livro finalista do Prêmio Jabuti 2017, "Você Precisa de Quê?". Dona do blog Fio da Meada.