Outra ideia romântica ainda contemporânea é a do gênio criador. O artista, muitas vezes, é visto como uma entidade superior, quase divina, que vive em estado permanente de inspiração.
Isso não só é uma idealização impossível, mas também certa desvalorização do trabalho artístico. Os livros não se escrevem sozinhos, por simples fruto de inspiração celestial. Eles exigem esforço humano, por vezes sobre-humano, em sua composição. Normalmente, demandam anos de estudo, leitura, muita prática e tentativas frustradas.A verdade é que a inspiração é supervalorizada. Os gênios existem, mas não são escravos da inspiração. Alguns amadurecem cedo e/ou possuem um ritmo de escrita frenético, o que não significa que seu trabalho seja fácil, natural.
Escrever ficção é um exercício mental pesado, desgastante, que demanda tempo, dedicação, concentração. Por trás de toda magia que se criou em volta da figura do escritor, nos bastidores a história é outra. O drama psicológico que faz parte de qualquer produção ficcional é pouco comentado. É mais bonito acreditar que o artista é atingido por uma súbita inspiração e consegue passar suas ideias para o papel de uma vez só, como se possuído pelo espírito da criação.
Isso não significa que a inspiração não exista ou que não seja útil. A inspiração é o pontapé inicial, a ponta do iceberg. O resto é transpiração.
Nesse momento, alguém pode se perguntar: então o que motiva a escrita? Se é um trabalho tão difícil, se a inspiração ajuda, mas não é tudo, se todo esforço por trás da criação é tão pouco valorizado, por que esses malucos continuam escrevendo?
Pois é. Na literatura, não se pode ser totalmente racional nem totalmente emocional. Todo escritor é um tanto quanto insano e um tanto quanto sábio. O escritor é aquele ser sempre em busca do equilíbrio entre a inspiração e a concentração, que mergulha no mundo das palavras para que sua alma e sua mente não transbordem de ideias. E há muita poesia nesse ato de brava persistência.
Fonte: Homo Literatus
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