CRÔNICAS Silmara Franco

A SAIA JUSTA DAS MÃES

Todo ano, a história se repete. Nos dias que antecedem o segundo domingo de maio costumo ouvir, onde quer que eu vá, votos de Feliz Dia das Mães. Justificáveis, já que em boa parte do tempo estou com minha cria a tiracolo. Sempre agradeço. E, no caso da autora ser uma mulher desconhecida, mas com perfil compatível com a maternidade, fico desnorteada: retribuo os votos ou não?

Impossível saber se uma mulher é mãe, quando sua prole não está presente e não há nenhuma informação que leve a essa conclusão. Mães costumam ter cara de mãe, mas esse é um parâmetro subjetivo demais. O impasse da retribuição, então, está instalado. Se se trata de uma mulher que é mãe e tem filho, alívio. A cena é padrão, os votos são bem-vindos. Mas e se ela já teve um filho e, adversidades da vida, não o tem mais? Quando ela não é mãe, o voto fica vazio, e se desfaz no ar antes mesmo de entrar pelos seus ouvidos. Pode acontecer de ela ser uma mulher que acalenta, há anos e sem sucesso, o sonho de ser mãe. Como também pode ser que a maternidade jamais tenha lhe passado pela cabeça.

Diante de tantas possibilidades, sem condições de serem aferidas durante uma conversa informal e brevíssima – por exemplo, com a caixa do supermercado, a garçonete do restaurante, ou ainda, a moça do café, que só sabe de você das nove às seis –, o que fazer? Não é sempre que se tem vontade de engatar um papo para saber das coisas.

Costumo lançar mão do lacônico “Obrigada…”. Embora as reticências, normalmente três inofensivos pontinhos, se transformem nessa hora em enormes, terríveis e pesadas esferas de ferro, verdadeiras rochas entravando o que poderia ser apenas mais um diálogo banal. Aí, o jeito é sair de fininho. Assobiando, se possível.

Quando quero ser amável, faço uma avaliação instantânea para intuir se a mulher já pariu na vida e arrisco um “Para você também!”. Em seguida, fico no aguardo, como um condenado à espera do pelotão de fuzilamento, do meu aniquilamento perante uma possível e bombástica revelação: “Não tenho filhos”. Claro que o motivo é uma das alternativas já mencionadas. Ou outras, eventualmente mais delicadas. Nessa hora, recorro ao silêncio. Para não perpetuar o famoso ditado sobre sonetos e emendas. No máximo, ameaço um “Aaah”, apanho o celular na bolsa e finjo que atendo uma ligação. Ninguém vai saber que é mentira. Essa é, de longe, a maior utilidade do modo vibrar desses aparelhos.

A saia justa parece não se restringir apenas ao Dia das Mães. Homens também devem passar seus apertos em vésperas de Dia dos Pais. Apesar de que, em situações assim, eles se limitam a agradecer, tenham filhos ou não. Sem dramas. Homem é tão mais simples! Em relação ao Dia dos Namorados, já é de praxe ninguém se manifestar. Para não ser obrigado a assistir ao chororô.

Há coisa pior, porém. Muito pior. Capaz de reduzir a nada qualquer apuro de Dia das Mães. Experimente perguntar a uma mulher para quando é o bebê, sendo que ela não está grávida. Com o poder de destruição de um míssil Moskit, um disparo desse arruína um dia, até então, bom. Traz à tona discussões sobre a pena de morte, com louvações à guilhotina. Cria na vítima um arrependimento irreversível acerca do sundae de chocolate duplo do dia anterior. Lembra-a do plano semestral quitado de uma vez só na academia, jamais utilizado.

Aí não é gafe. É incitação ao suicídio. Toda serenidade nessa hora.

Silmara Franco
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Silmara Franco

Silmara Franco

Paulistana da Móoca, onde viveu por mais de três décadas. É publicitária por formação e escritora por salvação. Mora em Campinas (SP) com a família e a gataiada. Autora de "Navegando em mares conhecidos – como usar a internet a seu favor" e livro finalista do Prêmio Jabuti 2017, "Você Precisa de Quê?". Dona do blog Fio da Meada.