Em tempo de Oscar, falar de cinema é lugar comum – e eu não sou especialista.
Mas sendo a sétima arte um dos mais belos retratos da comunicação entre o real e o fantástico, é justo exaltar os efeitos incríveis que um filme tem sobre nós – especialmente aos que não tem preguiça de pensar.
Claro que filmes despretenciosos, como as comédias romanticas, os de terror, as histórias fantásticas, tem seu valor de entretenimento – e não há nada de errado em ver filmes que fazem rir, passar o tempo, distrair.
Mas há o cinema que se propõe a bem mais que divertir e desopilar: o cinema que nos confronta, nos ensina, nos enriquece de conhecimento, filosofia e aprendizado.
A escritora paulistana Sílvia Marques, bacharel em Cinema, defende que deveríamos estudar cinema nas escolas como estudamos ciências humanas e artes, por exemplo. Ela não se refere ao estudo técnico, e sim ao teórico e intelectual, ao entendimento do cinema como uma disciplina de entremeio, de ampliação do pensamento.
Acho válido. Há uma centena de filmes que poderiam ser citados na categoria que faz passear por outras culturas, conhecer outros meios de enxergar a vida, vivenciar situações desconhecidas, nos levando à reflexão, construção e destruição de conceitos, a repensar valores e até mudar de opinião – por que não?
O cinema é a arte que se propõe a fazer um paralelo da realidade que poderia existir – de mundos, relações, situações, sentimentos, esferas da sociedade e do ser humano -, incitando a mudanças, questionamentos e olhares distintos para a existência. O cinema ainda projeta cenas reais do mundo em que vivemos, de épocas e eras que não temos acesso – e que só é possível por causa dele e da literatura.
Pessoalmente, gosto muito dos filmes europeus, iranianos, latinos, indianos – que nem sempre entram em cartaz nas grandes salas. São os chamados ‘alternativos’ e, na minha opinião, são os melhores. Nada contra os filmes de massa – eu adorei a trilogia “Bourne” -, mas entre um e outro, minha preferência pende para filmes, digamos, mais sólidos.
Muita gente tem um certo preconceito contra os filmes argentinos, por exemplo, mas eles são de beleza e sensibilidade ímpar – além de conferir muitas reflexões. E se o ator Ricardo Darín está em muitos deles, outros atores, mesmo em filmes que ele está, também se destacam. O cinema argentino prima por histórias de amor muito bem contadas, que se misturam com crimes ou comédias, e são, além de entretenimento de primeira classe, um caminho aberto para o pensamento. Dentre eles, indico “Medianeras” – um filme que trata de forma densa a solidão -, “Relatos Selvagens” – sobre as terríveis relações humanas e como podemos nos transformar em pessoas absolutamente diferentes do que somos -, “Abutres” – que nos mostra que o passado sempe volta pra ajustar contas -, e um dos filmes mais belos sobre o amor que já vi, “O Segredo dos Seus Olhos”. “Viúvas” também é um filme bastante interessante, embora repleto de dor (de todos os lados).
Os filmes alemães também costumam ser um primor – especialmente quando se comprometem a retratar casos das I e II guerras. Dentre eles, destaco “Os Falsários’, que conta a história de um homem que, durante a guerra, após ser levado a um campo de concentração, concorda em ajudar os nazistas em uma operação de falsificação criada para financiar os esforços de guerra. O imperdível “A Onda” é outro filme que traz um experimento estudantil que revela que a personalidade humana tem tantas facetas que é praticamente impossível enumerar ou conhecer. E “A Vida dos Outros” , um drama sobre espionagem política e suas muitas ramificações.
Os filmes iranianos são também imperdíveis. O Irã tem uma das mais destacadas cinematografias do mundo, várias vezes reconhecida com prêmios internacionais. Destaco aqui “A Separação”, um retrato da Teerã atual, através da história de um casal que se separa, quando a mulher quer imigrar e o marido quer ficar cuidando de seu pai doente. E “Procurando Elly”, que retrata um grupo de casais que vai passar o feriado na praia e uma das moças desaparece – um suspense que trata bem a forma como eles enfrentam a questão da honra.
Os franceses são também filmes espetaculares, embora às vezes mais lentos. Não se pode deixar de destacar aqui “Os Intocáveis” (pra ver e rever), que narra a história real de um milionário que ficou tetraplégico e se vê dependente de outros para tudo. Há as belissimas histórias de “Piaf” e o delicado “Coco antes de Chanel” – duas ótimas biografias que nos fazem olhar para esses mundos de glamour com olhos mais reais. O premiado “Amour” que, quando visto à primeira vez, pode nos levar apenas a reflexões sobre o amor, mas, à segunda vista, nos faz pensar ainda mais sobre a eutanásia e o sofrimento de uma doença limitante ou terminal para todos em volta. “Ferrugem e Osso”, um filme bem pouco divulgado, com a premiada atriz francesa Marion Cotillard, nos mostra como a vida pode mudar num segundo e como pode ser terrivelmente duro o processo de superação a que tais mudanças nos submetem. E há o delicioso “Minhas Tardes com Margueritte”, com Gérard Depardieu, que narra tão bem a velhice. Se você ainda não viu, não deixe de ver também “Perdas e Danos”, com a adorável Juliette Binoche – com ela também, veja “Mil Vezes Boa Noite”, onde ela interpreta uma fotógrafa de guerra.
Há o terrível “A Caça”, produção Dinamarquesa/Sueca, que nos confronta com nossos pré-julgamentos e suas consequências.
“As Irmãs Madalena”, um produção irlandesa, conta a história, a partir dos relatos de quatro mulheres, da brutalidade praticada em conventos Irlandeses por uma ordem religiosa. As casas das Madalenas da Irlanda eram governadas – até sua abolição, em 1996 (!!!) – por Freiras da Misericórdia. Estes centros eram metade conventos, metade cárceres, onde as “reclusas” – mulheres enviadas pelas famílias ou orfanatos para expiar – muitas vezes toda a vida – os seus pecados (ser mãe solteira, por exemplo) – eram vítimas de violação e obrigadas a trabalhar sem serem pagas.
Entre os japoneses, não deixe de ver “A Partida” (Okuribito), uma poesia sobre a morte – que nos faz pensar (e quem sabe entender) sobre o sentido da vida.
Entre os filmes belgas – que normalmente fazem parcerias com outros países, como o Canadá e a França -, “Alabama Monroe” e “Dois Dias, Uma Noite”, são dos mais conhecidos e ambos contém histórias incríveis de superação e valores.
Veja também “Youth”, uma produção italiana em parceria com outros países, que, ao retratar a velhice, oferece ao espectador um punhado de sequências lindas e líricas, encantadoras.
Os espanhóis de Pedro Almodóvar indico ver todos.
Dentre os que estão concorrendo ao Oscar, já assisti a alguns indicados: “A Garota Dinamarquesa”, um filme terrivelmente triste e muito reflexivo; “Brooklin”, longa independente britânico, que é uma bonita história de amor (mas não muito mais que isso, na minha opinião); “Ponte dos Espiões”, o mais novo longa dirigido por Steven Spielberg, é um filme denso e nervoso, com o premiado Tom Hanks (sempre espetacular); “A Grande Aposta“, que mostra o ‘outro lado’ da quebra dos mercados financeiros americanos de 2008 (ou seja, quem ganhou com ela); “SPOTLIGHT: Segredos Revelados”, que abriu a caixa de Pandora da pedofilia dentro da Igreja Católica; e o “Quarto de Jack’, sobre o qual escrevi aqui. Não tenho palpite sobre o vencedor, mas Spotlight é meu preferido.
E vou deixar mais uma imperdível indicação: “5 to 7”, traduzido para “Encontro Marcado, é uma produção americana que conta a história de um escritor aspirante que tem um encontro inusitado em NY com uma mulher (francesa) um pouco mais velha, pela qual se apaixona. A questão é que ela é casada, e o casal só pode se encontrar entre as 5 e 7 todos os dias (o que dá origem ao título). A maneira como a traição é tratada nos faz pensar sobre as relações monogâmicas e seus valores. É um filme muito delicado, que ainda nos fala sobre aqueles amores que permanecem em nós mesmo quando a vida avança em outra direção…
Que venha o Oscar! E boa sessão pipoca…
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