A escritora Lee Israel fez sucesso nos anos 70 e 80 como colaboradora de revistas – dentre elas, a famosa New Yorker -, e publicando biografias de estrelas da época – como das atrizes Katharine Hepburn e Tallulah Bankhead, a empresária de cosméticos Estee Lauder e a jornalista Dorothy Kilgallen.
Melissa McCarthy (quase irreconhecível) vive essa protagonista em Poderia Me Perdoar? (Can You Ever Forgive Me?), fazendo um delicioso retrato de uma mulher talentosa que viu sua escrita entrar em declínio repentinamente nos anos 90 por conta de suas próprias resistências: uma inclinação por escolhas de biografados que não interessavam ao meio editorial, e seu temperamento demasiadamente áspero e ranzinza, com o qual confrontava inclusive sua agente.
Nesse caldo controverso, Lee se viu, aos cinquenta anos, sem dinheiro para viver. Morando de aluguel num apartamento decrépito e encardido, sem ninguém para lhe ajudar, tendo por companhia apenas uma adorável gata doente, e sem conseguir emprego ou qualquer adiantamento por seu novo livro, ela era a encarnação de um ouriço, cuspindo espinhos por onde passava.
Depois de ser humilhada tentando vender seus livros velhos, Lee conseguiu uma pequena quantia por uma carta original de Fanny Brice, atriz de teatro, rádio e cinema, e passou a datilografar cartas espirituosas, imitando à perfeição a mordacidade e humor de celebridades – como a escritora Dorothy Parker e o dramaturgo Noël Coward. Nos sebos nova-iorquinos, suas falsificações passavam por artigos reais, o que lhe rendeu dias de relativo conforto.
No meio desse enredo, Lee conhece Jack (Richard Grant), seu oposto complementar: também sem um tostão pra chamar de seu, igualmente solitário e precisando loucamente de amizade, mas bem humorado e leve, Jack embarca nessa trama – que rendia sobressaltos constantes pelo medo que Lee sentia de ser desmascarada.
Dirigido por Marielle Heller (“O Diário de uma Adolescente”), o título do filme é uma brincadeira de Lee, tirado de uma carta falsa em que ela inventa uma Dorothy Parker dizendo não saber o que fez depois de uma noite de bebedeira.
Filmado numa Nova York de tons decadentes, a trama modesta de uma bandida acidental provoca imensa simpatia no telespectador por conta da química espontânea entre os dois protagonistas, que conseguem fazer da frustração e do desprezo a essência para se reinventar – ainda que na contravenção de uma comédia trágica.
O curioso é que, afinal, Lee tinha uma enorme competência e, ironicamente, através do embuste das cartas foi mais lida do que nunca. Quinze anos depois de ser descoberta, ela ainda publicou sua autobiografia – em que se baseia o filme (que tem três indicações ao Oscar).
No Brasil, infelizmente, só se consegue ver essa delícia em cinemas alternativos – em São Paulo, no Cinema Belas Artes e no Espaço Itaú.
Provavelmente, em breve na NetFlix.
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