CRÔNICAS Silmara Franco

SE A MINHA MÃE TIVESSE FACEBOOK

Se a minha mãe tivesse Facebook quando eu era criança, não sei se ela seria do tipo que tudo publica acerca de seus rebentos. As fofices, as traquinagens, as frases engraçadinhas, as caretas, as dores, as delícias. Minha mãe era do tipo reservada. Mas quem resiste?

Considerando que a internet estivesse a todo vapor nos anos 70, imaginei a timeline da dona Angelina.

Em uma tarde de 1971, entre uma receita de cuscuz e uma mensagem do Chico Xavier, ela postaria que, para conseguir me fazer almoçar naquele dia, fora me seguindo da cozinha até o portão da vila onde morávamos. Eu, quatro anos, não queria comer. E, com a estratégia, eu ia passeando, ela ia me distraindo e eu papava tudo. Minutos depois choveriam os comentários das amigas, marcando a polaridade das opiniões: “Que absurdo!”, “Que gracinha!”. Ela me proibiria de zanzar durante as refeições ou não, conforme o que lesse?

Noutro dia, faria um post-desabafo contando que, em um momento de descuido seu, eu, aos cinco, assumira o controle da velha Lanofix e simplesmente arruinara a encomenda de tricô que ela preparava, e lhe garantiria alguns trocados no final do mês. Nos comentários, a torcida para que ela conseguisse recuperar o tempo perdido, tudo ia dar certo, calma. O apoio lhe daria ânimo para recomeçar do zero?

Ela também postaria, a título de diversão, que eu, aos sete e na intenção de imitá-la, coloquei um absorvente – o velho Modess, que nem de longe lembra os ultrafinos de hoje – e saí na rua, feliz da vida, desfilando o duvidoso volume na calça. Finalizaria o post com kkkkk. Emojis boquiabertos ilustrariam o feedback?

Só não sei se publicaria, num dezembro de vacas magras, que meu presente de Papai Noel fora um xampu Johnson’s (bem mais caro e raro que o Colorama – lanolina ou ovo – de todo dia). Mas era do grandão. Afinal, era Natal.

Ademais, ela rechearia sua página com fotografias de flores e das suas bordações, vídeos de valsas, truques para limpar manchas de molho de tomate, indignações a respeito do Led Zeppelin (“Mas isso é música?”).

Só sei que se a minha mãe tivesse Facebook, eu a seguiria por toda vida.

Saudade é a linha do tempo que não volta mais.


Silmara Franco
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Silmara Franco

Silmara Franco

Paulistana da Móoca, onde viveu por mais de três décadas. É publicitária por formação e escritora por salvação. Mora em Campinas (SP) com a família e a gataiada. Autora de "Navegando em mares conhecidos – como usar a internet a seu favor" e livro finalista do Prêmio Jabuti 2017, "Você Precisa de Quê?". Dona do blog Fio da Meada.