CRÔNICAS Silmara Franco

ORDEM E PROGRESSO

bolsaSe aconteceu de berrar com a cria ou discutir com marido, se a raiva fez festa de arromba nas minhas ideias, se fiquei uma arara com o noticiário, o vizinho ou a Vivo, lanço mão de um recurso que, se não é infalível, está quase lá: vou arrumar minha bolsa.

Metáforas à parte, arrumar a bolsa é o remédio geral, a terapia instantânea, o alívio imediato das dores invisíveis. Simbólica e efetivamente, a arrumação retorna ao prumo o que havia virado furdunço. É a ordem física conduzindo à reordem mental, fornecendo a valentia necessária para seguir em frente.

Começo retirando todo, todinho, seu conteúdo. Espalho item por item sobre a mesa de jantar, parece-me um bom local para esse tipo de exorcismo. Carteira, telefone, caderninho, chaves. A carteira, por sua natureza complexa, tem sessão própria: organizo documentos, alinho as cédulas, rearranjo os cartões. Papéis soltos, notas fiscais e comunicados da escola vão para triagem, num canto da mesa. Noutro, devidamente agrupada, a coisarada que precisa de destino.

Três batons é muito, dois voltam para o armário, andar superior. O ímã da farmácia segue para seu habitat natural, porta da geladeira, térreo. Pra quê cinco canetas, Silmara? Comprovantes do cartão de crédito viram bolinhas para os gatos brincarem. Fones de ouvido são enrolados à perfeição e vão fazer par romântico com o iPod. Canhoto de talão de cheques, comprovante da lavanderia, folheto da pizzaria nova, brinquedos que as crianças não tinham onde enfiar na hora: cada um no seu quadrado. Chiclete, absorvente, pinça, Neosaldina, carregador: levo minibolsas para cada categoria de objeto. Lembretes esquecidos ganham registro eternizado na agenda; os já lembrados aportam no lixo reciclável.

capa_ordem_progressoAos poucos, o movimento de faxina toma impulso e a paz acena ao longe: chego às divisões internas. Don’t stop me now!

Minha bolsa, minha vida. Nela, fragmentos da personalidade e da alma. Arrumar a bolsa é ver-se no espelho.

Para um homem, o processo equivale à arrumação da pasta, mochila ou (por que não, minha gente?) pochete. Saibam, porém: a mágica do binômio ordem & progresso se dá mesmo é com uma bolsa. Portanto: se almejarem a plenitude da vida, homens, usem bolsas. De mulher.

Silmara Franco
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Silmara Franco

Silmara Franco

Paulistana da Móoca, onde viveu por mais de três décadas. É publicitária por formação e escritora por salvação. Mora em Campinas (SP) com a família e a gataiada. Autora de "Navegando em mares conhecidos – como usar a internet a seu favor" e livro finalista do Prêmio Jabuti 2017, "Você Precisa de Quê?". Dona do blog Fio da Meada.