Nina, três anos, quer saber:
– Mãe, a que horas a gente vai morrer?
Meu avô morreu às oito e quarenta da noite. Nunca soube que seria nesse horário, até aquele quatro de fevereiro, véspera de Carnaval. Um bom exemplo para dar a ela. Mas não me lembrei na hora.
Eu não sabia que Leo morreria às três horas do dia sete de março. Poucas horas antes, eu ainda acariciava seu pelo macio e branco. Gatos sabem da sua hora. Gente, às vezes, não.
Antigamente, nos velórios, era costume os mais velhos fazerem as crianças beijar os defuntos. Pequenas demais para a altura do caixão, algumas eram erguidas e, suspensas no ar como a alma de quem partira, despediam-se a contragosto. De volta ao chão, com olhos de espanto e medo, umas saíam correndo. Outras permaneciam ao lado do corpo, paralisadas de frio, o frio que vinha da face sem cor. Em todas elas, a marca comum: haviam beijado a morte. Eu tinha as minhas estratégias para evitar a hora do beijo. Fugia, me escondia. Sumia. Minha mãe dava cobertura. Eu não sabia que ela morreria ao entardecer de um Dia dos Namorados.
Quando uma estrela morre, em indescritíveis e poderosas explosões, ganha outro nome: supernova. Ninguém sabe, no entanto, a que horas isso vai acontecer. De nada adiantaria. Estrela, mesmo morta, eu beijaria.
A pergunta da Nina não é sofisticada. Ela não quis detalhes da morte, nem filosofias a respeito, tampouco aquilo a preocupava. Ocorreu-lhe perguntar numa hora em que brincava distraída e um pensamento qualquer pousou sobre seus cabelos anelados, tal uma borboleta. Simples assim. Eu é que tentei pensar numa resposta sofisticada, cheia de nove horas. Bobagem.
Respondi: “Na hora certa, querida”.
Satisfeita, ela retornou às suas brincadeiras. Corri anotar a pergunta num caderninho, junto a tantas outras que meus filhos soltam, assim, sem hora marcada. Não poderia deixar para depois. É fato: a gente pode morrer a qualquer hora. Aproveito. Por ora, não é agora.
- ALLAH-LA-Ô - 08/02/2024
- FELIZ NATAL - 23/12/2023
- PARA QUEM NÃO ACREDITA EM PAPAI NOEL - 05/12/2023